Por carros mais baratos
Ficamos bastante entristecidos com este
editorial do Best Cars. Este site, que sempre norteou e ainda norteia
nossas avaliações pela riqueza de detalhes e franqueza total com que fala dos
automóveis, a nosso ver prestou um desserviço com esta informação.
Há anos que lutamos contra a
subserviência que tomou de assalto a imprensa automobilística no Brasil. Diante
da enorme crise do jornalismo, com demissões em massa a cada dia, é até natural
que os repórteres e editores do setor se agarrem aos seus principais
anunciantes e fiquem com medo de escrever avaliações negativas sob pena de
perderem os anúncios e, consequentemente, os empregos. O BCWS inclusive é
vítima de um boicote da GM que dura vários anos, desde a época em que o site
falou as verdades reais sobre produtos horrorosos que a GM empurrou goela
abaixo dos brasileiros.
Aí tivemos uma época tenebrosa em que
barbaridades do tipo “o Peugeot 207 ficaria muito caro para o Brasil; o Golf V
fiaria muito caro para o Brasil” foram repetidas à exaustão pelos arrogantes
assessores das montadoras e engolidas sem nenhum questionamento pela imprensa
conivente. O resultado foi o convívio com trapizongas como o Peugeot 206,5 e o
Golf 4,5 que, de verdade, nem eram tão mais baratos que seus similares
europeus, apesar da enorme inferioridade como produtos.
Depois de muita luta, parece que a
ficha caiu. A nosso ver, o gatilho foi a troca de editores na Quatro Rodas, e a
subsequente reprovação do EcoSport que começou uma nova fase de saudável
independência. Já elogiamos recentemente aqui várias citações da imprensa com
relação ao elevado preço dos carros, e principalmente a prática abusiva, mas
que infelizmente tem se tornado comum, de trazer uma nova geração de um carro
com valores 30% maiores que a anterior. Nos desculpem, mas nenhuma inovação
tecnológica justifica esse preço, e muito menos os três ou quatro equipamentos
adicionados nas novas gerações de Cruze, Civic, Edge e agora Fusion.
Aliás, vale aqui um parênteses. Muito
do que se defende aqui como “adição de conteúdo” na nova geração é na verdade eletrônica
e sensores que não são caros. Qual o custo real de adicionar um sensor de ponto
cego? Uma câmera de ré? É muito diferente de um novo motor ou plataforma por
exemplo. Então as montadoras querem justificar aumentos de 30 mil reais sendo
que na verdade o investido no carro, diluído por toda a produção, não chega a
mil.
Assim, é justamente quando temos a
imprensa mais questionadora, assumindo o lado do leitor, perplexa com os aumentos
sem sentido, o BCWS relativiza tudo comparando com os preços de muitos anos
atrás.
A avaliação do site é infelizmente
distorcida pois o índice de comparação é o IGP-M, que não reflete tão bem a
economia quanto o IPCA. No entanto, mesmo com o IPCA nota-se claramente que
muitos carros estão mais baratos hoje do que em 2006 e mesmo 1996.
Não há o que desmerecer na avaliação
do BCWS, a não ser a escolha do índice. Como avaliação, está corretíssima. O
problema, em nossa visão, é que chove no molhado. Carro sempre foi caro no
Brasil. Como vários internautas comentaram, até os anos 80 ter carro 0km era
coisa de gente rica, a classe média comprava usados e os mais pobres andavam de
ônibus mesmo.
Dizer que os carros custam o que
sempre custaram é prestar um desserviço aos brasileiros, é seguir privando-os
de ter carro, é defender que carros sejam caros mesmo e somente acessíveis aos
mais privilegiados. “Afinal de contas sempre foi assim”.
A nosso ver, o caminho é continuar
estampando nas primeiras páginas que os carros estão caros. É seguir escrevendo
manchetes como a sensacional de hoje do UOL Carros: Ford
Fusion 2017 pode até andar sozinho; difícil é pagar novo preço.
Isso sim é defender o interesse do
brasileiro e do consumidor. É já queimar o lançamento de partida, forçar uma
política de revisão de preços, alertar o comprador que ele estará melhor
servido no mercado de usados, para que mais pessoas tenham acesso aos carros,
principalmente aos bons carros.
Esse é o papel da imprensa.
Democratização da cultura automotiva.
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