Teste: Chevrolet Cruze LTZ 1.8
Quis o destino que caísse em nossas
mãos um exemplar 2016 do Cruze, portanto anterior ao novo modelo com
motorização 1.4 turbo que acaba de ser lançado. Não temos por costume no M4R
publicar testes de carros que já saíram de linha; por outro lado, sabemos pelos
comentários e pelo volume de tráfego que muitos compradores de carros usados
usam as informações do site para basearem suas compras – ou validarem após
terem comprado o carro, vai entender – e por isso temos bom volume de tráfego
em páginas como o teste da Zafira
ou do Azera.
É nesse contexto que optamos por publicar esta avaliação de um carro recém
saído de linha, mas que provavelmente pode ser comprado com grandes descontos
nas concessionárias que ainda o tenham em estoque.
Esta geração do Cruze chegou ao
Brasil em 2011, três anos após seu lançamento internacional, com a
responsabilidade de ser o carro-chefe da Chevrolet em muitos países. É o modelo
mais vendido da marca, e compete no feroz mercado norte-americano com Civic e
Corolla. Ele consegue trazer a nova identidade pós-crise da Chevrolet numa
proposta adequada de sedã médio, sem fazer uma ruptura total com o que era
oferecido no passado (pense em Corsa x Onix, Zafira x Spin).
A identidade pós-crise da Chevrolet é
muito clara: produtos competitivos e lucrativos. É, de certa forma, a única
saída para uma fabricante em estado de falência. Não seria papel da GM, e
especialmente da Chevrolet que é a marca de entrada, trazer inovações e
arriscar no mercado quando o mais importante é recompor as finanças e sair do
estado falimentar. Quem precisa inovar e se diferenciar é quem quer passar na
frente. Então as novas tecnologias que chegaram recentemente aos carros médios
estão ausentes desta geração do Cruze. A VW e a PSA trouxeram o downsizing, a
Ford trouxe o estacionamento autônomo e o cluster com tela de alta definição, o
Cruze não trouxe nada de efetivamente novo. Foi na linha do “me too”, seguindo
as inovações dos concorrentes. É muito mais econômico (e medíocre) do que
inovar, mas faz muito sentido para quem está saindo da falência. Veja que o
Cruze 2017 já traz algumas inovações, como o carregador por indução, mostrando
como a situação da GM já melhorou – embora continue bastante “me too”.
A vantagem de seguir a receita da
concorrência é poder utilizar soluções comprovadas e que funcionam, e nisso a
GM se sobressai. A Chevrolet do Brasil em especial é campeã em juntar
ingredientes insossos e ao final obter um bom trabalho.
Comecemos pelo design. Não tem nada
de especial, e inclusive um quê de “carro coreano genérico”. O aspecto mais
marcante, o teto numa curva regular do começo ao fim, é cópia do que a VW fazia
dez anos atrás com o Passat e mesmo o Polo Sedan. O hatch ainda tinha um certo
charme devido à queda bem suave do vidro traseiro, mas o sedã é mais do mesmo.
E não está errado, pois a maioria da concorrência é assim: Jetta, Corolla, 408,
C4 Pallas, com somente Focus e Civic – este na nova geração – ousando um pouco
mais.
O pacote de equipamentos também
parece pensado na medida para não tomar espanco dos concorrentes, mas também
sem nada que destaque. Temos seis airbags, alarme, controle de tração,
controle eletrônico de estabilidade, faróis e lanternas de neblina, luzes
diurnas de LEDs, regulagem de altura dos faróis, sensor de estacionamento
traseiro, Isofix, rodas de alumínio de 17 polegadas, abertura das portas e
partida do motor através de botão, sensor crepuscular, ar-condicionado digital,
câmera de ré, coluna de direção com regulagem em altura e profundidade,
computador de bordo, controlador de velocidade de cruzeiro, volante
multifuncional, direção elétrica, retrovisor interno eletrocrômico,
retrovisores externos elétricos e com rebatimento elétrico, vidros elétricos,
sensor de chuva, bancos em couro bicolor e sistema multimídia com tela LCD de 7
polegadas sensível ao toque, rádio AM/FM stéreo, CD, MP3, USB, entrada auxiliar,
Bluetooth com função audio streaming, seis alto-falantes, visualizador de
fotos, navegador e GPS integrados.
De significativo somente a partida remota, útil para ligar o
ar-condicionado antes de entrar no carro. Vale notar que para isso o ar deve
estar ligado na parada anterior, ao desligar o carro. De negativo o ar monozona
e a ausência injustificável do teto solar – prática aliás mantida no novo
Cruze.
Motorização? Genérica. Quatro
cilindros, aspirado, flex, 16 válvulas, potência de 144 cv a 6300 rpm e 18,9
m.kgf de torque a 3.800 rpm com etanol. Meio beberrão também, problema comum a
vários motores GM e que sem dúvida fizeram a Chevrolet optar por não participar
do programa de etiquetagem de consumo do Inmetro, única das grandes a fazer
isso. Espere médias de 7 km/l de gasolina em uso misto, prejudicado pelo peso
elevado, superior a 1400 kg.
O câmbio também é genérico, um
automático epicíclico com seis marchas e comandos manuais na alavanca. Mas aqui
a GMB foi genial. Pegou um bom câmbio automático e espalhou na linha inteira.
Conseguiu economia de escala e conseguiu diferenciais – este câmbio no Onix é
de longe o melhor da categoria. Não ficou com palhaçada de “ah, na linha de
entrada é automatizado, depois tem um automático de quatro marchas, aí depois
tem um dupla embreagem, depois volta para um automático...” Padronizou tudo e
se deu muito bem.
Por dentro também nada de chamativo
ou inovador. O Cruze LTZ 2016 mescla preto e marrom escuro no interior, um
diferencial e que para nós é melhor que o bege clarinho – alguns, no entanto,
criticaram por ser demasiadamente “de tiozão”. O interior do Cruze também já
foi projetado para receber a tela touchscreen com informações, chamada de
MyLink pela GM, e que não fica parecendo uma adaptação. Existem detalhes
agradáveis de design no interior, especialmente no centro do painel com o
agrupamento dos comandos ladeados pelas faixas em prata, que contrastam porém
com a pobreza de acabamento: absolutamente todos os plásticos são duros, e
mesmo a parte em marrom das portas, que em qualquer concorrente seria em couro,
no Cruze é de plástico um pouco menos duro. Outra falha do desenho é a ausência
de porta-trecos significativos, obrigando o porta-copos do console a servir de
abrigo para carteiras e celulares.
O cluster é igualmente genérico, e
não ajuda em nada a tela digital do centro que parece uma versão ampliada do
clássico relógio do Del Rey.
A pega do volante é boa, revestido em
couro com maciez adequada, e não tivemos problemas com visibilidade. A posição
de dirigir, como usual nos Chevrolet, é muito boa: permite esticar mais as
pernas, pois os pedais ficam distantes do banco. É comum nos carros de testes
colocarmos o volante na regulagem máxima de profundidade – o mais longe
possível do painel – para podermos afastar o banco dos pedais, e mesmo assim
ficar com os joelhos excessivamente dobrados. Nos GM, especialmente os maiores,
isso não acontece. O que desabona um pouco o Cruze nesse quesito é o excessivo
apoio lombar no encosto, que não pode ser regulado, e as abas um tanto altas no
assento.
Já o MyLink é um ponto forte. Tela de
boa definição, boa responsividade ao toque, boa seleção de cores. A integração
com os botões abaixo poderia ser menos confusa – seguindo a solução do Focus
que eliminou os botões e concentrou tudo na tela – e o GPS poderia ser menos
poluído. Alguns botões são pequenos e requerem atenção para acertá-los.
Em compensação, demonstrando
claramente o aprendizado, o interior do Cruze não tem nenhum grande
desabonador. O acabamento podia ser melhor, os equipamentos também, mas o carro
não sofre de nenhum defeito grave como a absoluta falta de espaço do Focus, ou
o porta-malas risível do Civic anterior. Este aliás é bom, com boa abertura da
tampa e capacidade de 450 litros.
As suspensões seguem o modelo
comprovado de McPherson à frente e eixo de torção atrás, com um acerto muito
bom, que disfarça bem as grandes rodas 17 e alia conforto e estabilidade em boa
pedida. Poderia ser mais refinado com um sistema multilink, claro, mas como
está fica bom. Os freios são discos ventilados à frente e atrás, com ABS e boa
modulação de pedal – um pouquinho mais responsivos estaria melhor para nosso
gosto, mas não passam a impressão de borrachudos.
Ao volante, a impressão que fica é de
um carro competente e bem resolvido, com suas limitações. Existe uma certa
hesitação em ganhar velocidade, fruto do torque em rotação mais elevada (3.800
rpm) e do alto peso. O câmbio e o conversor de torque fazem milagres para
reduzir essa sensação. Não existe sensação de falta de desempenho, e o câmbio
antecipa trocas para rotação baixa e economia de combustível: chegamos a ver a sexta
marcha engatada a 50 km/h, com rotação pouco superior a 1000 rpm.
Três senões: o ronco do motor é
excessivamente audível, o que é gostoso quando se busca desempenho, mas não faz
sentido num sedã pacato; os espelhos poderiam ser bi convexos, para melhor
visibilidade, e o farol é de superfície simples, desligando o facho baixo para
acender o alto, exatamente como no Fusca. Essa realmente foi tosquice
desnecessária.
Tudo resumido, o Cruze é o filhote
típico do que se poderia esperar de uma empresa numa situação crítica durante a
gestação desse produto. Nada de inovador ou grandes diferenciais, usado e
abusando de receitas consagradas, porém muito bem executadas. Não é a cozinha
de vanguarda com sabores exóticos e experiências únicas, e sim um arroz com
feijão bem temperado e capaz de sustentar, sem encantar o paladar.
Muitos dos sedãs médios à venda no
Brasil têm pequenas características muito irritantes. No Focus é o problemático
câmbio Powershift, que mata qualquer alegria oriunda do bom motor ou da
excepcional suspensão. Nos Jettas 1.4 e 2.0 TSI o problema também está no
câmbio: o Tiptronic com uma certa hesitação (exacerbada pelas características
de um motor de pequena cilindrada e sobrealimentação) e no 2.0 a inabilidade do
DSG em lidar com retomadas a baixa velocidade, como já falamos. O Civic hostiliza
os passageiros com sua suspensão áspera e dura. Nesse ponto, o Cruze
assemelha-se muito ao Corolla, um carro sem defeitos graves, mas também sem
características marcantes. É um meio de transporte adequado a uma família, nada
que incomode, mas também nada que destaque.
Tem gente que gosta. No M4R,
preferimos os carros com personalidade.
Estilo
4 – Não ofende, mas também não cativa. Junto ao Elantra e Sonata, é a definição
de “desenho oriental genérico”.
Imagem
– Transporte de A para B. Levemente mais masculino, e mais jovem na versão hatch.
Muita cara de carro de frota, especialmente o LT.
Acabamento
5 – Gostamos do marrom e do desenho, detestamos a qualidade dos materiais.
Posição
de dirigir 9 – Amplos ajustes de volante e do banco (todos manuais). Nesta versão
já deveria ter ajustes elétricos. Mas a posição de guiar é boa.
Instrumentos
7 – Informações analógicas de sempre, com um painel digital dos anos 80 para o
computador de bordo.
Itens
de conveniência 8 – Nenhuma falta grave, com exceção do teto solar.
Espaço
interno 8 – Leva quatro adultos com relativo conforto, mesmo considerando o
espaço para pernas e cabeças atrás.
Porta-malas
8 – Não é o maior da categoria, mas é bom e bem forrado.
Motor
6 – Potência e torque adequados a um 1.8 16v, proém com consumo de combustível
injustificável.
Desempenho
4 – Aceleração de 0 a 100 em 10,2s só na imaginação da GM. Não é um carro
reconhecido pela elevada performance.
Câmbio
9 – Um dos destaques, muito suave e com os recursos necessários.
Freios
8 – Receita correta, sem vacilar com tambores atrás, pedal adequado.
Suspensão
8 – Esquema antigo, porém bem resolvido. Boa absorção de irregularidades apesar
das grandes rodas.
Estabilidade
7 – Sai de frente bastante, como seria de se esperar. Mas é bastante seguro.
Segurança
passiva 9 – Tudo correto, com seis airbags, ABS, EBD e um controle de
estabilidade desligável.
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