Professor Gol

A Volkswagen promoveu um grande evento em São Paulo, no final de semana passado, em comemoração aos 30 anos do início da produção do Gol, o carro mais vendido do País por 13 anos consecutivos. Este blog é a favor de que, ao invés dessa bobagem toda, a homenagem fosse feita com o lançamento de um novo Gol GTI que honrasse a tradição da sigla que foi sinônimo de desempenho e alta tecnologia nas versões de 1989 (primeiro carro a injeção do Brasil) e 1995 (2.0 16v, 145 cv, bolha charmosíssima no capô).

De qualquer modo, estudar a história do Gol é tirar importantes lições a respeito da indústria automobilística nacional nestes últimos anos. A ver:

- A primeira geração do carro manteve-se em produção por 14 anos, sofrendo somente mínimas alterações na frente e na traseira durante este tempo todo. O projeto original do Gol previa o estepe no cofre do motor; no entanto, o baixo desempenho do motor 1.3 oferecido inicialmente forçou a VW a adotar um 1.6, que por sua vez ocupava mais espaço no cofre e obrigou o estepe a ir para o porta-malas. Este não havia sido projetado para receber uma roda, que ficou improvisada, deitada de forma inclinada a 45 graus no canto esquerdo. Isto deixou o Gol com um porta-malas ridículo.

Conclusão: falhas de projeto são isso mesmo, falhas de projeto, e uma carinha mais bonita não é o suficiente para transformar um carro. Que o digam Agile, Classic, Celta e Prisma, todos derivados do Corsa de 94 com o volante torto e sem espaço para descanso do pé esquerdo.

- A relutância da VW em atualizar seu carro-chefe de vendas custou à marca alemã a liderança do mercado. Não foram eventos concomitantes, mas sim diretamente relacionados. A obsolescência do Gol em meados dos anos 90 levou muitos consumidores fiéis à VW a experimentarem carros de outras marcas, numa época de muitos carros bons, como Corsa e Palio. O Fusca foi o primeiro carro de milhões de famílias brasileiras, que tinham nele o seu companheiro de todas as horas. O Gol herdou esses consumidores, mas perdeu parte deles neste momento. A migração consolidou-se no final da década, quando a Fiat assumiu a liderança em vendas para não mais perdê-la.

Conclusão: Mesmo no segmento de entrada, design, tecnologia e equipamentos são muito valorizados pelo consumidor. Carros antigos, de acabamento pobre, mancham a imagem da marca.

- Outro momento de declínio nas vendas do Gol foi na chamada “geração 4”, provavelmente a pior versão do carro já lançada. Num momento de total corte de custos, a VW decidiu manter todos os defeitos do Gol, como o volante torto e o câmbio impreciso, ao mesmo tempo em que enfeiava o design externo e piorava enormemente o acabamento. A opinião do M4R sobre o G4 você lê aqui e aqui. O Palio chegou a liderar as vendas em alguns meses. Aí a VW lançou o Gol G5: design atual, interior bem mais competente, ergonômico, bom de dirigir. O resultado é que hoje o Gol tem praticamente o dobro das vendas do Palio.

Conclusão: Carro bom é carro bom. Carro bom vende. Investimento em ergonomia, acabamento, design, suspensões, tudo isso tem retorno. Tem uns executivos da indústria que não entendem isso.

- As gerações do Gol refletem de forma bastante fiel os altos e baixos da economia brasileira e do segmento automotivo. Os 14 anos da primeira geração são filhos dos anos 80, a década perdida de estagnação econômica no País. A segunda e, especialmente, a terceira gerações refletem o boom automotivo vivido no final dos anos 90, com um recorde de vendas atingido em 97 que levou quase 10 anos para ser superado. A competição era ferrenha e os carros tinham de ser bons. A quarta geração e sua pobreza extrema mostram o declínio do mercado após este momento de ouro; e a geração atual insere o Brasil no contexto global da marca, com um carro em sintonia com o que é feito lá fora.

Conclusão: A política das montadoras para o Brasil ainda é a de extrair o maior lucro possível. Uma atuação estratégica no País, oferecendo geração após geração um carro moderno em todos os segmentos, para consolidar a marca, ainda não existe. Num cenário menor, basta ver o que Honda e Toyota fizeram, cobrando hoje preços absurdos por carros que, embora não valham o que custam, são modernos e semelhantes em todo o mundo. As pessoas se orgulham de ter “um Honda”. Quem abre o peito desse jeito para falar que tem um carro das quatro grandes?

Comentários

Unknown disse…
Preciso e conciso como sempre dub. As montadoras de forma geral estavam começando a oferecer (mesmo que lentamente) produtos competitivos, melhorando em parte sua qualidade de construção de carros (será que o consumidor brasileiro está mais exigente e conhecedor de carros, tecnologia, projetos??) Aí vem a "nossa GM" e mostra para TODAS as montadoras que não é nada disso, que o caminho é inverso, produto com plataforma dos anos 90, plastico da pior qualidade, porta malas que esquenta comida, rebarbas = LANÇAMENTO DO AGILE. Na minha opinião o lançamento do agile seria um divisor de águas do setor automobilistico, (o momento ideal de darmos um basta e mostrar que amadurecemos!) e no entanto o carro tem vendido 6 mil unidades/mes. Nas entrelinhas a GM passa a seguinte mensagem: quem quer qualidade e bons projetos que pague os absurdos 75 mil do corolla e civic, meu público não está preocupado com isso, por isso sigo o lema "dê a cesar o que é de cesar".
Anônimo disse…
Dub, trabalhei em rádio fm por 10 anos, e agente tinha uma máxima quando se tratava de programação musical e todos nós do meio achávamos que a programação estava a cada dia piorando o nível, aí vinha o chefão da emissora e soltava a máxima : "..._se o povo quer merda , merda neles !!!" ou seja, se o Agile que é um lixo vende 6 mil unidades mês, qual a conclusão ???? Abraços!!!
Wrca disse…
Parabens, excelente post.
Dubstyle disse…
Caros, muito obrigado pelos comentários. A solução é uma só: comprarmos os produtos mais atualizados do segmento. E, claro, ter fé...

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