Gol City 1.0 Total Flex

Para se entender a história de sucesso do Gol, é preciso entender a do Fusca. Essa é longa; um resumo curto e bem superficial mostra simplesmente que o Fusca era o carro certo na hora certa. Praticamente inquebrável e de mecânica simples, numa época em que era comum carros não conseguirem subir a serra de Santos até São Paulo. Levou muito tempo até que suas deficiências de projeto (espaço interno, porta-malas, dirigibilidade, consumo) superassem as qualidades. Com isso, mais de uma geração aprendeu a dirigir e carregou a família a bordo do bom Volkswagen.

O sucessor Gol portanto, partiu de uma base de clientes amplamente sólida, aliado a um carisma muito grande em relação à marca Volkswagen. De início, o carro soube seguir as qualidades do Fusca em termos de robustez e mecânica simples, e equiparando-se à concorrência em termos de espaço interno, preço e dirigibilidade.

Foi assim por anos, durante toda a fase trágica (para a indústria automobilística) dos anos 80. Assoberbada com o primeiro lugar, a VW nem viu um concorrente com formas de bota ortopédica conquistar cada vez mais espaço. E, quando a taxa de impostos foi reduzida para os carros 1.0, no início dos anos 90, o Uno deu o pulo do gato e começou a argumentar contra o líder com mais espaço interno, porta-malas, design mais moderno. Aos poucos, solidamente, começou a construir a imagem da Fiat, então péssima, e a minar o oceano de vantagem da marca VW ainda naquela época.

Desde então o Gol está atrás dos seus concorrentes diretos numa comparação objetiva. Com a única mudança real do carro, em 94, a VW conseguiu no máximo equipará-lo ao Corsa. A geração III, a melhor da família Gol até hoje, deu um considerável salto em acabamento interno, mas não era competitiva em preço nem em dirigibilidade. Nesse ponto, a Fiat já estava bem mais consolidada e competia com o Palio, um projeto muito bem resolvido. Para a geração 4, ao invés de melhorar os pontos fortes do carro, a VW entregou os pontos de vez e o carro é a aberração que vemos hoje: de design discutível por fora, dirigibilidade ruim, posição torta de guiar, acabamento ridículo.

E no entanto, apesar de tudo isso, o carro se mantém há 20 anos como o mais vendido. É, sinceramente, de fazer pensar se estou errado. O que leva, hoje em dia, alguém a comprar um Gol?

Pra entender, fui testar um.

O lado externo é, para mim, o melhor ângulo. Não que eu o ache bonito (o G3 era bem melhor), mas ele está no contexto, exceção feita à lateral do duas portas, que lembra muito o bolinha.

Por dentro é só decepção. Acho que é o pior carro em produção no brasil hoje nesse ponto, talvez pior até que o Mille. Além do acabamento sofrível, o painel não tem criatividade nenhuma, nem beleza. As soluções são ridículas, como o mini-contagiros. O painel, que era semelhante ao do Golf, ficou igual ao da Kombi. Isso resume bem o que a VW fez com o Gol.

O espaço interno está na média da categoria, e o porta-malas é bom para o seu porte. Os bancos têm um tecido bem pobre, mas nesse ponto também estão na média. O formato deles, no entanto, é bom e não cansa em viagens longas.

O volante de plástico tem boa pega, e a alavanca de câmbio também – eu, pessoalmente, prefiro bem mais as alavancas pequenas como essa do que as altas como do Fiesta. Agora, os engates...

Os engates do câmbio foram a primeira dica sobre de onde vem uma das razões do sucesso do Gol. A própria campanha atual da VW, verdades sobre o Gol, é focada na robustez do carrinho. Diz-se que ele é valente e topa qualquer parada – o que aliás, também foi usado na campanha do novo Celta.

Engatar uma marcha no Gol requer força. Quem já guiou um Fox, Polo ou Golf 1.6 sabe da precisão e da maciez dos engates da caixa MQ-200, uma das melhores do mercado nacional. Já no Gol, o negócio é na porrada. Vai engatar primeira? Força pra frente? A segunda é a pior de todas: muita força pra trás para superar o solavanco do ponto-morto. E assim sucessivamente.

Só que não é só o câmbio do Gol que requer força: a direção é pesada; os comandos da seta e do limpador, idem. Fechar o porta-malas é necessariamente uma ação em dois tempos. Primeiro, segure pela alça e puxe com força para meia altura. Enquantos as molas tentam loucamente abrir a tampa novamente, pressione a tampa pelo lado de fora e bata com força, caso contrário a tampa não fecha. O mesmo com as portas: só fecham na porrada.

Todo esse lado Capitão Caverna tem o propósito de passar a impressão que o carro é resistente. Pois não é. Durante o teste, o retorno automático dos limpadores de pára-brisa quebrou. Explico: vamos supor que você ligou o limpador na velocidade um. Aí a chuva parou e você vai desligá-lo. Ora, você pode desligar a qualquer momento que as palhetas voltam sozinhas para o lugar original, rentes ao capô, certo? Pois isso quebrou. Era desligar o pára-brisa e ele parava onde estivesse, às vezes bem na frente do motorista. É um defeito bobo, mas num carro com 3 mil km, que se vende justamente pela robustez?

Em se considerando a força extra necessária para dirigi-lo (com exceção dos pedais, que são macios), o guiar do carro é decente. A posição de dirigir é ruim, com o volante enviesado e os pedais descentralizados, mas o banco compensa um pouco. A VW adotou o freio binário presente em vários Palios da Fiat (0 ou 1, ou seja, ou sem freio ou aplicação total), o que torna mais difícil modular a pressão, embora isso seja fácil de se acostumar.

A boa impressão veio do motor. É muito diferente do Fire e principalmente do VHC, onde a potência e o torque só aparecem a oito mil giros. Nesse ponto, está mais para o brilhante Zetec Rocam, com uma boa puxada nas rotações médias. O carro ganha velocidade fácil e rapidamente chega a altas velocidades, embora perca embalo nas subidas (como todo 1.0). Nesse ponto, não parece mesmo ser um motor pequeno.

O carro testado poderia estar amarrado: as médias de consumo não foram boas. Uma média de 10 km/l de álcool e 13,5 km/l de gasolina na estrada; esperava mais, particularmente desta última. O funcionamento com os dois combustíveis é suave e nota-se pouca diferença.

A suspensão tem uma calibragem acertada, com exceção à rolagem da carroceria: um tanto excessiva, tanto nas curvas quanto nas acelerações e freadas mais fortes. O caráter é nitidamente mais esportivo, com um tanto de detrimento ao conforto, mas uma ótima estabilidade, para o que contribuiram os pneus largos para o segmento, 185/70 R14.

A VW está careca de saber o que está errado com o Gol, e inclusive acertaram algumas coisas no Fox: motor transversal, posição de dirigir, câmbio. Uma parte das falhas do carro deve-se ao descaso da VW, mas uma outra boa parte é culpa do projeto, antigo quando foi lançado. O nome Gol deveria ser honrado com uma nova plataforma, compacta e moderna, fazendo frente às velharias que temos hoje (o Celta com a base do Corsa de 94, o Palio com a base de 96). Infelizmente, no mundo em crise das montadoras, sobra pouco pra investir em carros compactos para o terceiro mundo.

Se eu teria um? Com certeza não. Neste segmento provavelmente levaria um Classic, de desenho antigo, mas relação custo-benefício imbatível.

E como o Gol vende tanto? Sem dúvida uma mistura da robustez aparente e do motor bem resolvido, ainda com uma grande carga de carisma da VW e do carro. Some-se a isso as extensas vendas para frotistas e temos um líder. Pelo menos até o novo Palio cair no gosto dos compradores...

Estilo 5 – Não faz feio, mas também não chama a atenção pela beleza. A versão de 4 portas parece mais atual, em especial com o desenho em V na frente, unindo as grades e o pára-choque.

Acabamento 0 – Aqui não tem essa de falar que o carro é ruim num aspecto e dar nota 6. Se é ruim, é ruim, e o acabamento é dos piores que já vi. Nota zero.

Posição de dirigir 3 – Torta. Pedais, banco e volantes, cada um em uma direção. Só não leva zero pelo câmbio baixo, que gosto, e pelo acabamento do volante, em plástico macio.

Instrumentos 2 – Medonho. Não tem contagiros, não tem marcador de temperatura e a iluminação em branco, embora eficiente, não tem nada a ver com os outros carros da VW, que usam azul (quem usa branco é só gente braba: Kombi, Fox e Parati). Pelo menos o velocímetro marca só até 180, e não até 240 como uns carros 1.0 otimistas por aí.

Itens de conveniência 5 – A categoria é pelada, então aqui é difícil bater no Gol, que traz regulagem de altura para o banco do motorista. Em compensação, nas versões básicas não existe nem ajuste interno para os retrovisores, é preciso ajustá-los enfiando o dedo na lente. Faça-me o favor.

Espaço interno 6 – Está na média da categoria.

Porta-malas 7 – Acima da média, com acesso amplo e fácil de acomodar bagagem.

Motor 8 – Foi a grata surpresa do teste. Um torque surpreendente em média rotação, que não te deixa para trás no trânsito – e mesmo na estrada, manipulando bem o câmbio, fazia incomodar carros com motores maiores. É também muito suave, embor economia aparentemente não seja um ponto forte.

Desempenho 7 – É um carro 1.0. Isso esclarecido, o carro vai muito bem na cidade e mesmo na estrada, contanto que não esteja totalmente lotado. Nesse ponto, é bem mais agradável que o Celta, cuja potência só aparece em alta rotação.

Câmbio 5 – Duro que só ele. Só funciona na porrada e os engates são imprecisos. Mas o curso das marchas é curto e a manopla tem uma pega ótima. O escalonamento das marchas também merece aplausos, pois leva o carro com vontade e não é estupidamente curto como no Celta.

Freios 6 – A atuação excessiva é um problema, tornando difícil modular as frenagens. De resto, são suficientes.

Suspensão 6 – Permite muito body roll, a rolagem da carroceria, apesar de ser calibrada com um toque de esportividade – portanto, mais dura, repassando um pouco demais as irregularidades do piso. É totalmente oposto ao molenga Palio.

Estabilidade 8 – Outro ponto forte, ajudado pelos pneus largos para a categoria. Se fazer curvas rápido é um ponto importante para você, o Gol é campeão da categoria no quesito. Só cuidado com a inclinação excessiva da carroceria.

Segurança passiva 0 – Tudo bem não vir com ABS, air-bag ou mesmo cinto de três pontos para o quinto passageiro. Mas forçar os passageios de trás a conviver com cintos sem recolhimento automático e sem apios de cabeça já é exagero.

Custo-benefício 4 – O carro está com um preço competitivo, mas para isso a VW teve de depená-lo ao extremo. Fiat e GM oferecem pacotes mais atraentes.

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