Motorzão

Fim de linha para o Marea. A Fiat tirou definitivamente seu sedã médio-grande de produção, abrindo espaço para o Linea. É uma partida triste para os que gostam de carros.

Existe uma expressão em marketing chamada “me too”, aplicada quando uma empresa resolve entrar num segmento de mercado oferecendo um produto no mesmo nível dos concorrentes. É o que acontece, por exemplo, quando a Coca investe na Coca-Cola Light Lemon para competir com a Pepsi Twist Light – são produtos muito parecidos, e nem poderiam deixar de ser, dado que é difícil agregar valor a refrigerantes. Neste caso, a Coca precisava oferecer uma alternativa ao consumidor que lhe é fiel e quer beber refrigerante de cola light com um toque de limão. Situação idem aconteceu com o lançamento da Aquarius após a H20H!.

Em 1992, a Fiat decidiu entrar num segmento novo de mercado, o de sedãs médio-grandes, então habitado por Santana, Versailles – primos da Autolatina – e Monza. E, ao invés de oferecer um produto “me too”, ou seja, similar à concorrência, ela decidiu partir para as cabeças: trouxe o Tempra, um carro anos-luz à frente dos outros em termos de acabamento, conforto, espaço interno, design e tecnologia – só ficava devendo em motorização. Isso mudou depois, com o Tempra 16v, cujos donos garantiam de pés juntos que tinha muito mais do que os 127 cv declarados que o colocavam numa alíquota menor de impostos, e as versões turbinadas, por algum tempo os carros mais velozes do mercado nacional.

A revolução Tempra iniciou um novo tempo para o segmento. No ano seguinte já tínhamos o Vectra europeu, que em 1996 seria substituído pelo Vectra europeu atualizado (bons tempos aqueles da GM). 93 também foi o ano da chegada do Omega, considerado ainda hoje por muitos o melhor carro já produzido no Brasil. Em 1995 a Ford ocupava o segmento com a importação do Mondeo europeu. Tudo isso começou com o grande sucesso daquele sedã de traseira alta, de uma fábrica que deu seus primeiros passos aqui com o humilde 147.

A missão do Marea era, portanto, extremamente árdua: substituir um carro não só revolucionário, mas que conquistou fãs fiéis ao ser um produto bastante superior à concorrência. Só que o panorama do mercado quando o Marea apareceu, em 99, era bem diferente.

Já comentei aqui: o final dos anos 90 foi a época de ouro da indústria automobilística nacional, com carros vendidos a preços reais, e alinhados com o que se tinha de melhor no mundo. Então, em 98, o Marea enfrentava o Mondeo; o Santana (e depois a VW se pergunta como ela pôde ir de 70% do mercado em 1973 a 21% hoje); e os pesos-pesados da GM, Astra sedã – então atualizado com a Europa – e Vectra, há apenas dois anos no mercado.

Um panorama sem dúvida mais complicado do que durante o lançamento do Tempra, mas ainda assim com lugar para um produto interessante. Mas o Marea não era diferenciado; era um “me too”.

Excetuando-se, claro, um fator: motorização. Quanto a isso, o Marea era simplesmente o melhor carro do Brasil. No lançamento, poderia vir equipado com um motor 1.8 16v de 132 cv (hoje, o 1.8 16v Toyota, que é um dos melhores do mercado, rende 136 cv), um 2.0 de cinco cilindros e 20v com 142 cv, e um igual só que turbinado, de 182 cv e durante toda sua produção o carro mais potente do Brasil. O automóvel ainda ganharia um 2.4 20v de 160 cv e muito torque, bem mais adequado para trabalhar com câmbio automático do que todos os outros motores usados hoje em sedãs automáticos feitos aqui.

O que nos leva ao comportamento dinâmico fantástico do carro. O Marea acelerava como um louco, tomava curvas muito bem, tinha um câmbio bem escalonado e uma plataforma (suspensão, freios), adequados ao desempenho. Embora até aí o Vectra fosse parelho – embora muito inferior em motores, o Vectra era no mínimo tão competente quanto em comportamento, ajudado pela suspensão traseira multibraço (de novo: que saudades da velha GM). E era bem superior em tecnologia (o Marea não oferecia computador de bordo, que o Tempra tinha) e em acabamento.

Daí em diante, é “me too”. O carro era muito parecido com o médio Brava, algo que o Tempra não deixava transpareer em relação ao Tipo. Além disso, o uso da plataforma do Tempra limitava o espaço interno, que era inferior ao da concorrência. O acabamento também estava aquém do possível, assim como a oferta de equipamentos. O consumo de combustível era alto, mas cada gota era entregue em desempenho.

A situação piorou em 2000, com a entrada de Focus e Bora no mercado. Mas o que matou mesmo foi a borra. Maldita borra.

O caso é controverso; a teoria que vejo com mais freqüência coloca a culpa no intervalo excessivo sugerido pela Fiat para a troca de óleo, 20 mil km, algo que não levava em conta o uso de óleos de baixa qualidade e gasolina adulterada, comum no Brasil. Com o óleo vencido, o motor empenava e, devido à complexidade da unidade, tinha um conserto caríssimo – a substituição do motor podia custar metade do valor do carro.

A má fama do Marea se espalhou e ele logo virou o veículo com a maior desvalorização do mercado. Sabendo disso, a procura diminuiu e selou a morte do carro, que respirou por aparelhos até essa semana.

Quem já dirigiu um Marea o coloca no panteão dos melhores carros já feitos no Brasil. Quem teve problemas com a manutenção, odeia. Sem dúvida um veículo para entusiastas que curtem estar atrás do volante e sentir o carro reagir a cada movimento ou toque do pedal. Hoje, tem uma legião de fanáticos no Clube do Marea. Deixou saudades.

Comentários

T.G disse…
Marea era fantástico...
Um comentário...independente de ter suspensão multibraços e descontando a diferença de motorizações, o Vectra antigo nunca teve nem de perto um desempenho dinânico nem parecido ao do Marea...não fazia curvas, não tracionava, não tinha o equilíbrio que tinha o Marea...nunca foram parelhos em comportamento dinâmico.

Marea deixará saudades!!!

Abraços.

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