Menos marketing e mais engenharia




O Golf foi devidamente apresentado. E a impressão que ficou na minha cabeça é a de que “Meu Deus, como o marketing da Volks funciona bem”. Com as fotos revela/esconde, eles criaram uma expectativa que, infelizmente, o produto meia-boca não consegue cumprir.

A frente não tem identidade com nenhum modelo da marca. O marketing defende, dizendo que as linhas vieram do conceito Tiguan e que, por isso, estão mais adiantadas que o resto da linha. Balela pura. Que adianta você investir um conceito mundial (como a VW fez com as dianteiras que integram grade e pára-choques) se uma filial terceiro-mundista decide “se antecipar” às coisas? Volks, fala a verdade: vocês não adotaram a frente mundial porque o carro ia ficar a cara do Gol. Também não podiam fazer a frente direito, a la Golf V, pois podia atrapalhar o Jetta. Então chegaram numa solução nada a ver.

A traseira segue o discutível conceito VW de círculos nas lanternas. Como já disse, fica bom em alguns carros, ruim em outros. Está ok no Golf, bem parecido com o alemão neste aspecto.

A lateral não sofreu mudanças e entrega todos os detalhes de design que caracterizavam o Golf IV, à exceção dos faróis. Estão lá as grandes seções de janela traseira que não abrem, as colunas grossas, o quase paralelismo entre a linha posterior da porta traseira e do porta-malas, os arcos salientes dos pára-lamas. O lado entrega MUITO a plataforma antiga.

Por um lado, eu entendo o problema da VW do Brasil. A matriz lançou um Golf V simplesmente muito caro de construir. Um ótimo carro mas que está caro até para os padrões europeus. Por outro lado, porque não trabalhar e evoluir localmente a plataforma atual? Que tal uma suspensão traseira multilink? Que tal um pequeno aumento entreeixos, para combater um mal do Golf, o espaço interno?

Qualidades a plataforma atual tem, embora isso se deva à inépcia da concorrência. Focus à parte, o Golf ainda tem o melhor acerto de suspensão da categoria. A direção, um pouco pesada, é bem direta e o carro é bem previsível. O conforto em piso irregular não é o forte do carro, mas ele não chega a ser um cabrito como Fit ou 206.

Por dentro, a decepção foi bastante forte. Há o volante do Golf V contrastando severamente com o painel EXATAMENTE igual ao atual. Aliás, igual seria um elogio: eliminaram o melhor porta-copos do mercado e o substituíram por uma merreca ao lado do freio de mão. Os tecidos mudaram (espero que tenham melhorado o da versão 1.6) e os mostradores têm novo grafismo, nem pior ou melhor que o anterior – apenas diferente. Duas melhorias são dignas de nota: a escala do velocímetro, de 10 em 10 até 100 km/h e de 20 em 20 acima disso, e os retrovisores externos do mesmo tamanho. Algo mais bonito, mas que não diz nada em termos de eficiência, foi a mudança dos repetidores laterais dos piscas da carroceria para os retrovisores.

Um ponto bastante negativo do Golf é o seu seguro. Segundo a Volks, com o rastreador de série, o preço da apólice passou a ser o mais baixo da categoria. Duvido muito; fazer o seguro de um Focus é quase de graça. De qualquer jeito, resta saber o custo deste rastreador após um ano de uso (é o que a Volks paga) e se um rastreador é mesmo útil – você gostaria de achar seu carro um dia após ter sido detonado nas mãos dos ladrões ou preferiria comprar um novo? Pois é.

Um ponto muito positivo no carro é o seu status. O Golf atingiu uma aura entre o público jovem que nenhum dos concorrentes chega nem perto. Golf é sinônimo de esportividade, de gente jovem, de loucas viagens, de galera de bem com a vida. Tem fama de carrão mesmo. Você, no seu Stilo Abarth com SkyWindow, ou no seu Focus Duratec, vai ter que dar o braço a torcer para o status de um Golf 1.6. Então, se você gosta de elogios nesse sentido, não há o que escolher. Muito me surpreendeu, num fórum dedicado a carros, ver a quantidade de jovens que escolheriam um Golf (modelo antigo!) em relação a um Focus, Stilo ou Astra. Status é status.

Por falar em status, a VW utilizou de uma sacanagem explícita para fazer o Golf GTi bater o Civic Si como nacional mais potente, por apenas um cavalo. O motor rende 180 cv com gasolina comum e 193 com gasolina Premium. Ora, façam-me o favor. Esse mesmo motor rendia 225 cv no Audi TT que era vendido por aqui. Podiam ter poupado o consumidor dessa economia porca.

Fica difícil defender o Golf como compra racional. Trabalhando com a tabela VW de antes da mudança, que a montadora pretende manter, são R$ 49 mil pelo 1.6, R$ 55 mil pelo 2.0 e R$ 90 mil pelo GTi. A versão de entrada concorre com Stilo 1.8 Flex, mais moderno, mais torcudo e muito bem equipado, com Peugeot 1.6, de acabamento pelo menos tão esmerado quanto e um produto alinhado com o que se faz na Europa, com Astra 2.0, bem mais torque e manutenção barata, e com Focus 1.6, melhor dirigibilidade e desempenho equivalente por DEZ MIL reais a menos.

O 2.0 enfrenta o mesmo Focus com o melhor 2.0 nacional (e, novamente, pelo menos CINCO MIL reais a menos), 307 2.0 manual (sim, existe), além de roçar na faixa dos sedãs como Vectra e Civic. Complicado um 2.0 a gasolina com apenas 116 cv – até o motor pré-histórico do Astra e Vectra está rendendo mais. Vale lembrar que o Fit 1.5, concorrente ao menos em preço, tem apenas 11 cv a menos com 500 cm3 de diferença.

O GTi empalidece diante do Civic Si, esse sim um carro de verdade, com uma plataforma adequada, adereços estéticos esportivos de bom gosto e um motor super moderno que não precisa de gasolina assim ou assado. No entanto, fora este, o GTi ainda reina supremo, com folgados 13 cv de vantagem sobre o Stilo Abarth e com o fim da produção dos Marea turbo.

Se a estratégia da Volkswagen é chegar à liderança em vendas do nosso mercado, vai precisar confiar muito mais no seu departamento de engenharia do que no de marketing. A contínua ascensão do Palio no encalço do Gol mostra que nada, nada mesmo, é tão bom que não precisa de melhorias.

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