Carros ingratos
Mas como um carro pode ser ingrato? Bom, para você conceder o dom da ingratidão a um automóvel, você tem que acreditar que forças mais poderosas regem a sua vida e a dele, e não apenas que ele é um monte de aço, vidro e borracha pronto para te transportar. Qualquer um que já tenha falado com o carro sabe do que estou falando.
Pois bem: um carro ingrato é aquele que, apesar de todos os cuidados, dá problema. Acho que todo mundo já teve um desses na família. Na minha casa foi um Voyage 1.6 Plus 1986 a álcool.
Era carro de garagem; rodava pouco e sempre pelos limites urbanos. Seus pneus eram calibrados com freqüência e ele sempre abastecia no mesmo posto, numa época em que o combustível adulterado não era uma preocupação. Nunca foi forçado nem utilizado em corridas ou rachas. Sinceramente, acho que nunca pegou uma estrada de terra. E aos 20 mil km, fundiu o motor.
Lógico, existem explicações mecânicas. A ventoinha saiu com um defeito de fábrica que fazia com que ela não refrigerasse corretamente o motor. Era uma questão de tempo. Bom, se até aí o carro havia se comportado corretamente, após o problema nunca mais foi o mesmo.
O nível de água do radiador passou a baixar sem que ninguém soubesse o motivo. Não havia vazamentos. A situação chegou a tal ponto que o carro fervia poucos quilômetros após sair de casa. A peça inteira fosse trocada e a água continuou baixando. A cada abastecida era preciso completar a água do radiador. Assim foi até o final da vida do carro.
E que vida! Na década de 80, com a inflação, comprar um automóvel era difícil, tal qual investir num apartamento. Os preços subiam mês a mês e, exceto à época do Plano Cruzado, os salários não eram reajustados. O Voyage ficou 7 anos em casa, saído zero da concessionária em 1986 e vendido a preço de banana em 1993.
Como não basta ser ingrato e é preciso ser azarado (no caso de automóveis eu acredito que as duas coisas vêm juntas), esse carro sofreu dois acidentes. Um na pista local da Marginal do Pinheiros, em frente à Rua Flórida: o carro aquaplanou e subiu no canteiro central, parando milagrosamente entre duas árvores sem sofrer um arranhão (exceto, é claro, as polainas que ligavam as extremidades dos pára-choques à carroceria e que caíam umas duas vezes por mês). O segundo foi pior: alguém varou o semáforo das avenidas Rebouças e Brasil no vermelho e atingiu o Voyage em cheio que, para sorte, carregava apenas uma pessoa – a batida foi no lado do passageiro. E foi bem feia. No final da vida útil, esse Voyage tinha horário mensal numa mecânica.
Com certeza vocês conhecem algum carro assim, comprado e cuidado com muito carinho e que só deu problemas e dor de cabeça.
Em compensação, existem carros que são tratados mal e porcamente e que simplesmente se resignam. Não dão problemas, nem dor de cabeça, e resistem aos maiores trancos sem chiar. Conheço dois carros bem próximos que são assim, mas como são (eram, um já foi vendido) de gente próxima não vou falar que modelos. Nunca tiveram manutenção adequada. A troca de óleo era feita na base do olhômetro do frentista, e ainda assim com o óleo mais barato. A gasolina vinha de qualquer posto. Alinhamento era raridade. Faziam as revisões da garantia, e depois só visitavam mecânicos quando alguma boa alma os levava. Sempre rodaram com os pneus descalibrados. Eram ligados e desligados várias vezes, quando não ficavam apenas com a ignição ou o rádio, consumindo a bateria, por muito tempo. Raspadinhos e amassados eram contados na base da dezena. E nunca deixaram de inspirar confiança, nunca quebraram no meio da rua, estiveram sempre dispostos. Vai entender...
Mas como um carro pode ser ingrato? Bom, para você conceder o dom da ingratidão a um automóvel, você tem que acreditar que forças mais poderosas regem a sua vida e a dele, e não apenas que ele é um monte de aço, vidro e borracha pronto para te transportar. Qualquer um que já tenha falado com o carro sabe do que estou falando.
Pois bem: um carro ingrato é aquele que, apesar de todos os cuidados, dá problema. Acho que todo mundo já teve um desses na família. Na minha casa foi um Voyage 1.6 Plus 1986 a álcool.
Era carro de garagem; rodava pouco e sempre pelos limites urbanos. Seus pneus eram calibrados com freqüência e ele sempre abastecia no mesmo posto, numa época em que o combustível adulterado não era uma preocupação. Nunca foi forçado nem utilizado em corridas ou rachas. Sinceramente, acho que nunca pegou uma estrada de terra. E aos 20 mil km, fundiu o motor.
Lógico, existem explicações mecânicas. A ventoinha saiu com um defeito de fábrica que fazia com que ela não refrigerasse corretamente o motor. Era uma questão de tempo. Bom, se até aí o carro havia se comportado corretamente, após o problema nunca mais foi o mesmo.
O nível de água do radiador passou a baixar sem que ninguém soubesse o motivo. Não havia vazamentos. A situação chegou a tal ponto que o carro fervia poucos quilômetros após sair de casa. A peça inteira fosse trocada e a água continuou baixando. A cada abastecida era preciso completar a água do radiador. Assim foi até o final da vida do carro.
E que vida! Na década de 80, com a inflação, comprar um automóvel era difícil, tal qual investir num apartamento. Os preços subiam mês a mês e, exceto à época do Plano Cruzado, os salários não eram reajustados. O Voyage ficou 7 anos em casa, saído zero da concessionária em 1986 e vendido a preço de banana em 1993.
Como não basta ser ingrato e é preciso ser azarado (no caso de automóveis eu acredito que as duas coisas vêm juntas), esse carro sofreu dois acidentes. Um na pista local da Marginal do Pinheiros, em frente à Rua Flórida: o carro aquaplanou e subiu no canteiro central, parando milagrosamente entre duas árvores sem sofrer um arranhão (exceto, é claro, as polainas que ligavam as extremidades dos pára-choques à carroceria e que caíam umas duas vezes por mês). O segundo foi pior: alguém varou o semáforo das avenidas Rebouças e Brasil no vermelho e atingiu o Voyage em cheio que, para sorte, carregava apenas uma pessoa – a batida foi no lado do passageiro. E foi bem feia. No final da vida útil, esse Voyage tinha horário mensal numa mecânica.
Com certeza vocês conhecem algum carro assim, comprado e cuidado com muito carinho e que só deu problemas e dor de cabeça.
Em compensação, existem carros que são tratados mal e porcamente e que simplesmente se resignam. Não dão problemas, nem dor de cabeça, e resistem aos maiores trancos sem chiar. Conheço dois carros bem próximos que são assim, mas como são (eram, um já foi vendido) de gente próxima não vou falar que modelos. Nunca tiveram manutenção adequada. A troca de óleo era feita na base do olhômetro do frentista, e ainda assim com o óleo mais barato. A gasolina vinha de qualquer posto. Alinhamento era raridade. Faziam as revisões da garantia, e depois só visitavam mecânicos quando alguma boa alma os levava. Sempre rodaram com os pneus descalibrados. Eram ligados e desligados várias vezes, quando não ficavam apenas com a ignição ou o rádio, consumindo a bateria, por muito tempo. Raspadinhos e amassados eram contados na base da dezena. E nunca deixaram de inspirar confiança, nunca quebraram no meio da rua, estiveram sempre dispostos. Vai entender...
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