Teste: Volkswagen Golf GTI
“All the car you’ll ever need”. Todo
o carro que você precisa, nas palavras de Jeremy Clarkson. Tá aí o cara que
dirige Ferraris a rodo dizendo sua opinião sincera sobre o Golf GTI, e ele
falou isso mais de uma vez. O James May, num especial chamado “Cars of the
People”, também chegou à conclusão de que o carro das multidões hoje é o Golf,
disponível tanto nas versões mais baratas quanto nas apimentadas, ou seja, para
todos os gostos. Claro que o Golf ainda é inacessível para boa parte da
população mundial, mas dá para entender o espírito da coisa.
Então o que temos à nossa frente é
uma lenda. O Golf GTI surgiu em meados da década de 1970 na Europa como a
versão apimentada do hatch médio e seu 1.6 16v de 110 cv, girador e de ronco
instigante, imediatamente conquistou corações e mentes dos jovens que buscavam
esportividade e joivialidade nos carros, sem precisar conviver com as falhas
mecânicas dos roadsters ingleses. Até então não eram tão comuns as versões
esportivas dos hatches e carros familiares em geral. Os grandes como Peugeot
205 GTI, Escort Cosworth, Focus RS, vieram depois.
O Golf GTI é um carro que conquistou
seu lugar junto aos nomes míticos do mundo automotivo, pensando em carros de
passeio. Uma lista com os carros mais impactantes já lançados sem dúvida o
teria ao lado de gigantes como Mustang, Jaguar E-Type, e o próprio Fusca.
Só isso já é motivo suficiente para o
entusiasta ter um na garagem. Qual lenda dessas você consegue comprar zero km?
Entre os brasileiros o nome do Golf
GTI pode estar um tanto desgastado, pois tivemos a infelicidade de conviver com
as duas piores versões do carro em toda sua história – o Mk3 com um 2.0 8v
absolutamente insosso e igual à versão GLX, e o Mk4 com o 1.8 Turbo de bom
desempenho, porém aliado a uma carroceria um tanto pesada que tirava seu
brilho. E desnecessário falar do AVILTANTE GTI 4,5, que precisava usar gasolina
azul pica das galáxias produzida por monges albinos eunucos para tirar 193 cv,
UM a mais que o Honda Si de então.
Aí quando o GTI MkV resolveu tudo
isso, não o recebemos.
Há que se elogiar então a decisão da
VW de trazer o GTI juntamente com o irmão 1.4 TSI, pois podia muito bem não
tê-lo feito. Basta ver a Ford que faz babar os entusiastas com os sensacionais
Focus esportivos na Europa, e no Brasil, nada. E o GTI que temos é o mesmo da
Europa. Sim, lá tem o Golf R de 300 cv. Sim, lá o GTI pode receber carroceria
três portas e câmbio manual.
Aliás ganha um picolé de limão quem
explicar porque a Volks traz Golf e Variant com câmbio manual e o GTI não.
Porque nós não entendemos.
Mesmo assim. É o GTI que os europeus
compram hoje.
Isto significa um carro atualizado em
design, alinhado com os traços da família Volkswagen, um tanto similares embora
no caso do Golf isso não seja extremo. Onde ele é muito parecido, talvez até
demais, é com as versões TSI. Identificam um GTI as letras no porta-malas e na
grade, a faixa vermelha na grade dianteira – e nos faróis se tiver xenônio, a
dupla saída de escape e não muito mais. Não é para quem quer chamar a atenção,
em compensação enche os olhos de quem admira a discrição.
Dentro a distinção é discreta também,
especialmente para quem opta por bancos de couro. Neste caso, somente alguns
frisos e costuras em vermelho, bem como detalhes no volante, diferenciam o GTI
do TSI. No M4R somos fãs incondicionais da padronagem xadrez característica do
GTI, e estaríamos dispostos a abrir mão dos diversos opcionais das versões
superiores para curtir esse revestimento.
A semelhança com o TSI também traz
muitas coisas boas. Por fora temos boa precisão de montagem, por dentro o
acabamento de qualidade muito superior. Não falamos nem em padrão Audi e BMW –
de entrada – pois o Golf é superior a isso. O salto de qualidade de interior
feito pela geração atual do Golf é similar ao feito pela geração 4, que trouxe
plásticos macios e maçanetas cromadas à categoria dos médios. Compare o
interior de um Astra com o de um Golf 99 e saberá do que estamos falando. Na
geração atual, o Golf traz LEDs nos frisos das portas, na iluminação interna,
porta-malas acarpetados, plásticos macios, montagem de qualidade superior, alta
responsividade dos comandos, itens comparáveis a carros que custam o dobro, ou
até mais.
A posição de dirigir é fácil de
encontrar graças aos amplos ajustes do banco, inclusive lombar, e do volante,
em altura e profundidade. Fosse um VW manual e reclamaríamos da embreagem – tem
tudo para padecer do mesmo mal de curso extremamente longo. Como é automático,
suaviza. A distribuição dos comandos segue o padrão da indústria, com tudo
sempre à mão, onde deveria estar.
O espaço interno não é prioridade
neste tipo de carro, mas aqui temos a mesma boa distribuição do Golf, que sem
ser espaçoso, leva quatro pessoas com dignidade e cinco com algum aperto. É
interessante notar que os bancos dianteiros, sejam em tecido ou em couro, têm
esportividade mas não chegam a ser “concha”, de muito mais aderência, porém
ocupando mais espaço.
(A imagem mostra o interior com tecido xadrez, muito mais interessante que o da versão testada com os bancos genéricos em couro).
A lista de equipamentos é enorme,
mesmo a versão de entrada conta com excelente recheio. Ficam de fora o teto
solar, opcional separado, e dois pacotes caríssimos, sendo o destaque do
primeiro o controle de cruzeiro adaptativo e do segundo os bancos elétricos e
tela de 8 polegadas. Apenas os bancos elétricos e o GPS consideramos economia
desnecessária – poderiam vir de série desde o GTI básico. Ainda, os faróis de
xenônio deveriam ser desvinculados dos pacotes de opcionais, para poder manter
a faixa decorativa vermelha dianteira sem obrigar a descaracterização dos
bancos.
A motorização fica a cargo de um 2.0
turbo de 220 cv a 4.500 rpm e 35,7 m.kgf a 1500 rpm. Não se deixe levar pela
potência aparentemente baixa; como todos os turbos alemães, a potência real é
bem superior e está mais próxima dos 250 cv. Os números de desempenho, com
aceleração de 0 a 100 km/h em 6,5s e máxima de 244 km/h demonstram isso. Note
como os picos de torque e potência aparecem em regimes baixos: isto significa
potência ampla em qualquer situação.
O resultado é um carro delicioso de
conduzir, que salta na frente ao comando do pé direito, que dá voltade de
considerar cada semáforo uma largada de fórmula um, com muita reserva de motor
mesmo em altas velocidades. O ronco do motor é discreto, mas muito agradável,
especialmente considerando ser um quatro cilindros.
O quanto o desempenho do GTI vai te
surpreender depende obviamente do patâmetro de referência. Quem já teve contato
prolongado com qualquer outro 2.0 turbo (Passat, Tiguan, Jetta TSI, Fusion, BMW
série 1 e 3, Audi A3 e Q3, etc) terá no Golf um carro de desempenho excelente,
porém em nível sensorial muito similar a esses carros. Quem vem de qualquer
carro aspirado terá uma impressão diferente, tamanha é a excelência em
desempenho conseguida com este tipo de motorização. “Ah mas meu carro aspirado
é um Pagani Zonda” bom aí meu filho vai andar com a máquina e sai da Internet
porra!
A verdade é que esta comunização
deste tipo de motorização permitiu que outros carros com outras propostas
tivessem na prática um desempenho muito parecido. Se você é daqueles que vibra
com números tipo Super Trunfo que na mesa do bar já fala em tempos de volta e
0,1 quilo de torque aí vai se deliciar com o Golf que de fato tem excelentes
números de desempenho e, numa pista, provavelmente devora todos os carros
citados e se aproxima de canhões tipo Camaro, com o dobro da potência. É também
um carro com viés mais esportivo, como se nota pela suspensão – falaremos mais
dela adiante – e pelo controle de tração de última geração, que age muito
rápido com os freios para garantir o máximo de tração. Fizemos puxadas fortes
em um piso totalmente inadequado – concreto molhado e sujo de folhas – e foi
impressionante como o controle de tração se virou para permitir aceleração
máxima. Neste ponto é diferente de outros sistemas “mais preguiçosos”, que
cortam mais a potência – o melhor exemplo é o ridículo instalado no Up TSI.
Só que na vida real tudo isso se
aproxima muito. O cara do GTI vai sair forte no semáforo e vai tomar canseira do
tio no Fusion ou na Passat Variant. Ou do cara do Jetta TSI que pagou 20 mil
reais a menos no carro.
Então, embora soberbo como está, fato
é que o GTI precisa com urgência de um repotenciamento – que muitos donos vão
buscar com preparações. O patamar de 250 cv declarados colocaria o GTI num
patamar de desempenho claramente superior, onde ele merece estar.
Um forte aliado do desempenho do Golf
GTI – porém igualmente comumente encontrado em seus rivais – é o soberbo câmbio
automatizado de dupla embreagem e seis marchas, embebido em óleo. Conjunto
resistente, já testado, e que no GTI parece ser ainda mais esportivo, com
trocas ultra rápidas, especialmente em S e no modo de condução Sport. As
marchas são engolidas nas acelerações fortes, para uma entrega de potência
bastante linear, como um trem acelerando a toda. Uma longa aceleração é um
prazer inesquecível, tamanha a rapidez das trocas e a reserva de potência, com
empuxo contínuo até 200 km/h ou até mais. Vai faltar fôlego realmente somente
próximo à velocidade máxima.
A unidade testada vinha com o
controle de modo de condução, que oferece os modos Eco, Comfort, Sport e
Individual para ajuste separado de cada parâmetro. Fica nossa regra geral de
que nos carros em que este ajuste não engloba a suspensão, de muito pouco vale
na vida real.
O arranjo de suspensão inclui
McPherson na frente e Multilink atrás. Aqui precisamos fazer duas ressalvas: a
primeira é que dirigimos o GTI em ambiente controlado e de asfalto
razoavelmente em bom estado, sem passar por alguns trechos lamentáveis que
incluímos em nossos testes. A segunda ressalva é que fomos esperando uma
suspensão dura feito pedra. E a verdade é que nos surpreendemos positivamente.
Procuramos propositalmente algumas imperfeições no piso e a sensação na cabine
foi normal, dentro do que se espera de um carro esportivo. Pode ser diferente
em asfalto castigado, mas o que pensamos neste momento é que o GTI pode ser
utilizado regularmente como carro do dia-a-dia sem matar os ocupantes.
Os freios são excelentes, discos
ventilados de bom diâmetro nas quatro rodas, com pinças gordas e um ABS
inteligente. Freamos forte em piso de baixa aderência e o carro passou a
sensação de controle absoluto.
Claramente é válido pensar que num
ambiente de velocidade como um autódromo, o GTI é vastamente superior aos
carros de motorização similar e inclusive pode assustar carros bem mais fortes.
É todo um conjunto de motor, câmbio, suspensão e freios que exalam
esportividade e cuja excelência como conjunto só dá pra explorar em pista. Na
vida real continua sendo muito rápido, mas não pode ignorar os outros carros no
semáforo ou corre o risco de más surpresas.
Voltando ao tema do início. Você
realmente precisa de mais? Faz regularmente viagens com carro lotado? Tamanho
não é problema? Pois o Golf GTI oferece um compromisso excelente entre
usabilidade e desempenho, e ainda carrega o status de uma verdadeira lenda
automotiva.
É realmente all the car you’ll ever need. Mas bem que podia ter mais uns 50 cv.
Estilo
9 – Tem o padrão VW de não ser arrebatador, mas demorar para envelhecer.
Poderia ter um pouco mais de caracterização esportiva.
Imagem
– Tem um quê de moleque procurando racha nas avenidas movimentadas.
Acabamento
10 – Subiu a barra. Audi, Mercedes e BMW precisam correr atrás.
Posição
de dirigir 9 – Como em todo VW, os pedais deveriam ficar um pouco mais
afastados. O resto é sensacional, como volante, bancos, ergonomia, etc.
Instrumentos
10 – Cluster bastante funcional, com a escala maior até 100 km/h que gostamos
muito, e tela colorida de alta resolução entre os mostradores.
Itens
de conveniência 9 – Vai muito bem desde o básico. Uma pena os pacotes de
opcionais tão caros, seria muito melhor se fossem independentes.
Espaço
interno 8 – Os hatches médios voltaram a acomodar bem dois adultos atrásm desde
que os passageiros da frente não sejam muito altos.
Porta-malas
9 – É maior que o do TSI, por usar estepe temporário. A capacidade é adequada a
um hatch médio.
Motor
10 – Uma das maravilhas da engenharia moderna, com alto torque em baixa para
aquele tapa na nuca tão apreciado, ao memso tempo em que é frugal no consumo.
Só que está ficando para trás na corrida por mais potência.
Desempenho
10 – Aceleração de 0 a 100 na casa dos 6 segundos, máxima próxima aos 250 km/h,
números inacessíveis até pouco tempo.
Câmbio
10 – Muito rápido nas trocas, parece até mais rápido que os outros DSG. E sabe
ser suave quando necessário. As trocas pela manopla ou paddle shift são
instantâneas.
Freios
10 – Tem a capacidade de frenagem que se espera de um carro com esse
desempenho.
Suspensão
9 – Conceito moderno e uma calibração que não nos pareceu dura em excesso,
embora isso ainda precise ser comprovado em asfalto mais castigado.
Estabilidade
10 – O carro está sempre na mão em todas as condições, com as babás eletrônicas
programadas para um carro de alto desempenho, ou seja, sem atuar de forma
exagerada.
Segurança
passiva 10 – Tem os air bags e sopa de letrinhas conforme esperado desta faixa
de preço, além de plataforma moderna.
Custo-benefício
10 – Não tinha como ser outra nota. É uma lenda, na sua garagem.
Comentários
Parabéns pelo trabalho.
Qualquer GOLF MK7 na garagem vale a pena, é um carro referência para os demais da categoria / faixa de preço.
Um carro honesto, sem dúvida.
Uma curiosidade... Poucos dias atrás li uma matéria sobre o som dos motores e se não me engano foi comentado que o Golf teria um alto falante (!!!) dedicado e que emite um "reforço" no ronco que muda conforme a rotação do motor. É fato? Notou algo assim?