O melhor acabamento
Saiu matéria recente na The Economist
sobre interiores de carros. O texto, relativamente curto, afirma que o design
de interiores é a última fronteira na diferenciação entre marcas, pois vários
outros atributos que antes eram utilizados como triunfos estão relativamente
nivelados. Falamos já disso no M4R.
Esses dias, revisitando alguns
anúncios antigos do Fusca, publicados na imprensa nacional e também
norte-americana, é impressionante como os temas de convencimento de compra eram
sempre os mesmos: robustez e economia. Nos Estados Unidos, argumentava-se
inclusive que trocar quatro velas era bem mais barato que seis ou oito, em
alusão aos grandes motores disponíveis por lá.
É possível encontrar compradores que
ainda norteiam suas decisões com base nessas informações. VWs são “mais
confiáveis”; Fords, “mais confortáveis e luxuosos”. Mesmo a Chevrolet do
Brasil, que temos dificuldade em apontar qual seria sua característica marcante
do passado, se beneficia desse princípo. Muito de suas vendas são para fãs,
pois em qualidades objetivas seus carros dificilmente são os melhores da
categoria.
Só que hoje em dia essa diferenciação
não vale mais, e é o que argumenta o texto da The Economist. Nenhum carro é TÃO
MAIS confiável, econômico, robusto ou veloz que um outro da mesma categoria
para que isso seja uma decisão de compra. Os carros de hoje têm um conjunto de
caraterísticas de desempenho (performance
envelope para os versados em inglês) tão bom que é vastamente superior às
habilidades da maioria dos motoristas.
Quando dirigimos o Fusca, ficaram
claras as limitações do carro em desempenho, especialmente aceleração,
estabilidade e frenagem. Dirigir um carro moderno é ter às mãos algo vastamente
superior, cujos limites dificilmente serão utilizados.
Então se robustez, economia,
desempenho, preço, quantidade de equipamentos, espaço interno, se tudo isso é
mais ou menos nivelado entre a concorrência, onde está a diferenciação?
Design. Exterior e interior.
A reportagem afirma que mesmo design
exterior é relativo, pois hoje em dia dificilmente temos carros feios. Faz
sentido lá no Reino Unido, terra da The Economist, mas no Brasil de Monstrana,
Agile, Etios e as traseiras absolutamente iguais e sem inspiração de Ka, Gol e
Onix, design ainda faz sentido. Vide o sucesso do Punto frente ao Polo.
Porém, concordamos com a afirmação
que o maior campo para diferenciação, hoje, está na parte interna dos
automóveis. É onde a criatividade do desenho, a integração com a tecnologia, e
o uso de materiais ainda podem ser radicalmente diferentes de um carro para
outro.
A revista afirma, e nós concordamos,
que os pioneiros nessa tendência foram os carros da Audi. Já era possível
perceber isso nos A3 montados no Paraná, quase vinte anos atrás, e a coisa só
melhorou desde então. A cabine do TT recém-testado é um refresco, um ambiente
extremamente bem executado na combinação de forma, função e materiais. Ainda
estamos avaliando a tela no cluster, mas é questão de preferência nossa.
A Mercedes também elevou o jogo,
embora com a solução infeliz da tela em formato de tablet. E aí podemos
perceber como o interior das BMWs ficou datado, com aquele cluster sem graça,
aquele monte de botões no painel central, sem inspiração.
Quem vem na esteira da Audi é a
Volvo. Entramos na nova XC90 e está de cair o queixo, deslumbrante mesmo. É um
design que foge da percepção das alemãs (preto e alumínio) e trabalha com mais
formas e materiais, com um resultado muito interessante. O interior dessa Volvo
é digno de um Bentley.
É revigorante ver essa tendência após
grandes pioras no interior dos carros, como percebemos do Jetta MkV para o MkVI
e no Focus, que conseguiu piorar do Mk1 para o Mk2 e aí piorou mais ainda para
o Mk3. Sem falar no caso mais absurdo de todos, Gol G3 para G4.
O interior dos carros é onde ficamos
a maior parte do tempo em que estamos envolvidos com eles. Muito de nossa
percepção de qualidade vem dali: portas que se fecham solidamente, acabamento
macio ao toque, que não faz grilos, botões e alavancas com resistência correta
ao acionamento. Não é essa vagabundagem de colocar Black Piano em tudo,
material bonito, porém duro e difícil de manter.
Hoje o interior do Golf é a
referência. Entrar em um e num Focus é sair de um lençol de algodão egípcio de
mil fios e cair numa lixa industrial cravada de pregos. Que o cuidado visto
nele, com plásticos macios nas portas, aplicação elegante de LEDs, revestimento
acarpetado nos porta-objetos, sirva de referência para os carros que virão por
aí.
Até porque o preço elevado já estamos
pagando né...
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