Teste: Fiat Uno Attractive 1.4

Muita gente tem essa mania: ao viajar de carro para uma praia, quando a estrada chega ao nível do mar, abre os vidros para respirar a brisa marítima. É uma maneira de expiar a poluição do dia-a-dia, sentir o aroma agradável que significa o início de um feriado ou mesmo de férias. Que delícia.

Observar o novo Fiat Uno, considerando o cenário automotivo nacional, é receber esta mesma lufada se ar fresco. Não é um face lift, não é a montagem nacional de um carro com produção encerrada na China, não é um amontoado de peças de outros carros, é algo totalmente novo, embora baseado na plataforma do Palio – o que não é demérito algum, por ser uma base ainda atual para o segmento. E é bem executado, que ninguém tira da Fiat o mérito de ser excelente em compactos, no Brasil e em todo o mundo.
O show room da Fiat não é exatamente coerente, Punto e Línea convivendo com Dobló e Strada Adventure, e mesmo nesse ambiente o Uno de destaca. Chama a atenção pelo frescor das formas, pela nova proposta, por realizar em um carro novas tendências de design que já vêm sendo observadas lá fora, como toda a linha Scion, compactos da Toyota nos EUA, e mesmo o Kia Soul. Dito isso, o Uno não é lindo de tirar o fôlego, como foi o Punto em seu lançamento. É bonito e, principalmente, de proporções adequadas. Tudo em seu desenho faz sentido: o tamanho dos faróis, o formato do capô, a traseira truncada, as portas, tudo conversa – algo que não se pode dizer do Agile, o monstrengo GM com dianteira de Silverado e traseira de Corsa. O Uno salta aos olhos e tem um ar inequivocadamente moderno, diferente do que vemos por aí.


O interior, por sua vez, é bem mais conservador. O cluster principal é pequeno, e concentra um grande velocímetro, com as luzes espia à sua esquerda, e um círculo de cristal líquido com as informações do hodômetro e também os marcadores de combustível e temperatura. Prefiro os analógicos, mas a legibilidade é boa. Não se pode dizer o mesmo do conta-giros, que não só é pequeno demais como não combina esteticamente com o resto do conjunto. As versões de entrada possuem um econômetro no lado oposto, sem conta-giros, que também não alinha com o resto do conjunto.

O console central é bem executado e não possui grandes inovações. Acima, duas saídas de ar redondas e maleáveis que, embora fáceis de usar, pareceram muito frágeis. Logo abaixo está o espaço do som, de altura normal, o que permite o uso de equipamentos de outros fabricantes com bom resultado estético. Os oferecidos pela Fiat, aliás, são meio feinhos, embora um deles, muito funcional, venha com Bluetooth e entradas auxiliar e USB no porta-luvas. Na sequência os controles da ventilação, de desenho bonito, boa pega e também boa resistência ao uso.

Em todas as versões os bancos têm um bom formato e apoiam bem o corpo, uma tradição na Fiat. Os tecidos não chamam a atenção pela qualidade, e nem pela aspereza – sinceramente, esperava algo pior. Algumas costuras são aparentes e dão um toque diferenciado. Há uma boa quantidade de tecido também nas portas, que contam ainda com um porta-garrafas, nesta versão de topo.

O volante é excelente; talvez a Fiat esteja querendo compensar o péssimo utilizado hoje em dia na família Palio. É feito de plástico macio, com ótimo lugar para colocar as mãos. Os comandos estão à mão e são familiares a quem conhece Fiat: as alavancas vêm do Palio. O câmbio tem uma manopla pequena e gostosa de usar, com engates precisos, embora um pouco longos. A ré é acionada para trás, com anel-trava.

Já a posição de dirigir não é tudo isso. O volante traz ajuste apenas em altura, e o mesmo ajuste no banco acaba afetando mais a inclinação dele do que a altura propriamente dita – e vale avisar que as versões sem este ajuste têm o banco beeeeem alto. No entanto, o que causou estranheza foi a distância entre os pedais, muito pequena. Pessoas de pés maiores, ou usando tênis largos, podem tranquilamente esbarrar no freio ao usar o acelerador. À esquerda, um firme apoio para o pé esquerdo, raro na linha Fiat, e muito bem vindo.

No teto há um console emprestado da Idea, com um bom porta-objetos e um espelho convexo para observar o banco de trás – algo estranho num compacto. Há ainda um porta-óculos para o motorista: é melhor do que nada, mas sua qualidade deixa bastante a desejar.

O espaço interno, que poderia ser o ponto alto do carro graças a seu formato quadrado, deixa a desejar. É amplo o suficiente na frente, embora os pedais e o volante sejam muito projetados em direção ao motorista, o que obriga o posicionamento do banco para trás. O resultado é que um ocupante de 1,80 m não se acomoda atrás de um motorista da mesma altura, por falta de espaço para as pernas. O espaço em altura também não é grande, e em largura o quinto ocupante viajará apertado. Já o portal-malas é razoável, com 270 litros, e de bom formato e ótimo acabamento, com exceção da tampa em metal.

A Fiat aproveitou o lançamento do Uno para repaginar os motores. O 1.0 foi bem trabalhado, ficou suave e mais forte. Já o 1.4, justamente o que precisava de mais talento, parece ter sido deixado de lado. Ganhou comando de válvulas variável e um discreto aumento em potência, para 88 cv com álcool e 12,5 m.kgf de torque. É pouco – dá pra chegar na faixa de 95 cv com estas mudanças. É suficiente para o Uno, e pouco para o Punto, que de qualquer modo receberá novos motores 1.6 16v e 1.8 16v da Tritec ainda este ano.

Com o 1.4, o Uno fica agradável, com força suficiente em baixas rotações, mas nunca uma exuberância em potência, nem mesmo em altos giros. Esportividade, aqui, está fora do jogo. É um carro para acompanhar, sem sustos, o trânsito na cidade e que usa boa parte de seu fôlego na estrada.

Em termos de comportamento, o Uno demonstra uma maturidade pouco vista em projetos mais novos e, de certa forma, volta a provar que os engenheiros da Fiat não desaprenderam a fazer carros, após esquisitices como os freios binários e suspensão molenga da família Palio. O acionamento dos pedais é correto tanto em maciez quanto em curso – embora a embreagem pudesse ser ainda mais leve – e o freio tem boa modulação. A relação do volante com as rodas dianteiras é bastante direta. A suspensão flerta com o lado duro da força, transmitindo alguns solavancos para a cabine que poderiam passar despercebidos. Mas não exagera e, ao mesmo tempo, transmite confiança numa condução mãos esportiva, algo que não se via na família Palio, por exemplo. O arranjo é tradicional, de McPherson na frente e eixo de torção atrás, aceitável tendo em vista a categoria do carro.

As tão faladas opções de personalização, basicamente kits de adesivos, são interessantes, mas não devem cair no gosto. Acho válido a opção para quem quer personalizar seu carro de fábrica, embora acredite que os fãs reais da personalização não vão trocar a suspensão Bilstein e as rodas aro 18” por um adesivo em formato de emoticon.

A grande surpresa negativa do Uno vem na hora de assinar o cheque. Embora a versão 1.0 básica não esteja fora de contexto, quando equipadas com ar, direção, vidros e travas elétricas, ou seja, o básico, os preços saltam para 33,5 mil para o 1.0 e 36,5 mil para a 1.4, e isso sem considerar a versão Way, ainda mais cara. Pelo preço do 1.0 dá pra levar opções de maior motorização pra casa, como Corsa 1.4 e mesmo o Gol 1.6, recentemente anunciado numa promoção por um valor próximo com os mesmos equipamentos. Por melhor que seja o Uno – e, acreditem, o carrinho é muito bom – estes dois exemplos também são ótimos carros e com motores bem mais fortes. Já o 1.4 avança em terreno bem perigoso: pelo mesmo valor é possível levar pra casa um Fiesta 1.6 ou, dentro de casa, um Punto 1.4.

Esta política de preços revela que, para a Fiat, o Uno deixou de ser o carro de entrada, favorito de frotas, como é o Mille, para se tornar na verdade um Fox, um carro de certo prestígio dentro da família de compactos. Sendo assim, seria correto pensar no Uno como um posicionamento acima do Mille e também do Palio Fire, disputando compradores com Palio ELX, aquele com motor 1.0, mas com a frente nova, e mesmo o Palio 1.4.

Acho que a expectativa é muito alta; o Punto começou sendo vendido a 42 mil, e hoje já existe uma versão mais básica a 37; o Línea chegou todo pomposo a 62 mil e hoje a versão LX já se tornou uma favorita dos taxistas, vendida ao consumidor comum por 50 mil. É provável então que o Uno sofra uma queda de preços que torne o carro mais viável. Custasse 2 mil a menos em cada uma das versões e o Uno seria imbatível.

Isto posto, e deixando um pouco esta conta de padeiros de lado, o novo Uno cumpre a promessa de trazer um ar fresco ao segmento de compactos. É bonito, ergonômico, gostoso de dirigir, esperto, bem acabado, tem todo um ar de carro moderno urbano que não se vê nos outros. Fiat, parabéns.


Estilo 10 – Pode não ser unanimidade, mas sai da mesmice, e faz isso de forma bela. Merece nota máxima.

Imagem – Um carro muito jovem, para garotos e garotas. Mesmo as versões mais sóbrias, em preto e sem adesivos, trazem um ar inequívoco de jovialidade.
Acabamento 8 – Boa faixa de tecido nas portas, bancos bonitos, volante e câmbio de boa pega. Os plásticos em geral são adequados à sua faixa de preço e, de qualidade inferior mesmo, somente o porta-óculos e os difusores de ar.

Posição de dirigir 6 – A ausência de regulagem em distância do volante e o ajuste de altura do banco que mexe mais na inclinação não contribuem, mas os comandos estão à mão e os pedais são centralizados, embora devessem ser mais espaçados.

Instrumentos 5 – Não foi boa a ideia daquele conta-giros minúsculo. De resto, é bonito, e a leitura de temperatura e combustível no display de LCD não compromete.
Itens de conveniência 8 – O Uno segue a filosofia Gol de que tudo é opcional: inclusive o console de teto, o tecido nas portas, até o apoio pro pé esquerdo. A vantagem é que são opcionais soltos e não muito caros, então sair com um Uno bem jeitoso não é tão ruim assim para o bolso.
Espaço interno 4 – Ponto fraco. Falta espaço para as pernas de quem vai atrás, e também para a cabeça, e para os ombros. Na frente, tudo bem.

Porta-malas 8 – Com 280 litros, está na média. É todo forrado com carpete e plásticos de boa qualidade, e também possui um formato prático.

Motor 6 – Já passou da hora desse 1.4 Fiat atingir a maioridade e começar a roçar as marcas dos 100 cv mantendo ou mesmo aumentando o torque atual. É ainda um tanto vibrador acima de 5 mil giros. Numa tocada tranqüila, no entanto, cumpre muito bem a função.

Desempenho 5 – Não é a proposta, nem nunca foi. Tem um bom conjunto e pode surpreender se dirigido no limite, mas com 88 cv não dá pra esperar grandes coisas.

Câmbio 7 – Preciso e gostoso de usar, embora com engates um tanto longos. As relações de marcha são corretas para imprimir desempenho na cidade.

Freios 7 – Nada de novo com discos na frente e tambores atrás. A modulação do pedal é muito boa e o sistema todo funciona com bastante segurança.

Suspensão 7 – Um eixo de torção firme atrás e um comportamento bastante neutro, com um leve toque de esportividade com o acerto mais duro.

Estabilidade 8 – Bem diferente dos Pálios, o Uno encara bem as curvas e não faz menção de que vai capotar a qualquer momento. O centro de gravidade é um tanto alto.

Segurança passiva 5 – Tem o tal kit HSD com air bag e ABS a um bom preço. Também é opcional o quinto apoio de cabeça, e mesmo os cintos retráteis atrás. Nada caro, mas nada de série.

Custo-benefício 5 – O carro é muito bom, mas disputa com outros carros igualmente muito bons, como o novo Gol, e mesmo Fiesta e Punto nas versões de topo. O 1.0 é mais interessante e mais justo pelo preço, já que o 1.4 arranha uma concorrência bem maior do que ele. De qualquer modo, uma bela compra – um ar fresco de verdade diante de uma concorrência na décima quarta reestilização.

Comentários

Unknown disse…
Olha, sério, fico impressionado. O mercado brasileiro engole qualquer coisa mesmo. Essa tranqueira de carro, totalmente "low cost", feito para mercados de 3º mundo. Só aqui no Brasil mesmo. E ainda elogiam o carro todo de plástico de brinquedo. Se custasse 22 mil, tudo bem. Mas custa 10 mil a mais. Lamentável. Conclusão: carro de 3ª com preço de 1ª.
Lúcio disse…
Acho que a imprensa especializada em geral está em lua de mel com a Fiat. O novo Uno é um bom carro e tinha de ser assim afinal desde 1996 a marca italiana não pensa num compacto barato. Se não evoluísse era melhor sair do país. Agora, não vi avaliação nenhuma que falasse da fixação do cinto lateral traseiro que viaja com os ocupantes, bem visível, ali ao lado da porta. É um sinal claro que a Fiat economizou na receita. Por que não alongou o já minúsculo entreeixos igual ao do Palio? Bom, com tantos jornalistas voltando do lançamento na Bahia com um netbook HP de presente difícil achar defeitos no carro.
Dubstyle disse…
Gustavo, também acho 22 mil um preço mais justo para o Uno. Assim como seria para o Gol, 30 mil para o Punto, 50 mil para o Jetta e por aí vai. Como isso infelizmente é um tanto fora da realidade, considerando os preços atuais, e o que a concorrência oferece, considero o novo Uno um bom produto.
Lúcio, para a categoria do Uno, o entreeixos não está deslocado, embora o carro seja apertado por dentro, como destacado no texto. E o carro tem defeitos - todos têm - mas também tem qualidades que vão além da fixação do cinto lateral traseiro. E ninguém do M4R viajou à Bahia e nem ganhou netbook HP.
Paulo disse…
Muito bem colocado: "Não é um face lift, não é a montagem nacional de um carro com produção encerrada na China, não é um amontoado de peças de outros carros, é algo totalmente novo, embora baseado na plataforma do Palio". Esperemos que a Fiat resolva esses pequenos problemas (que vc muito bem colocou)e equalize os preços. Abs.
Anônimo disse…
É tudo uma questão de preço, se fosse igual ao do uno anterior, esse carro seria uma maravilha. Como não é, fico com outra opções no mercado.
Renato disse…
Também estranhei a distância entre os pedais do Palio. O acelerador está espremido entre o freio e a "parede". Tive um Fiesta e os pedais não eram tão juntos como os do Palio.

Entendi, pelo seu texo, que no Novo Uno este problema persiste.

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