Recall do capitalismo

Eu sei quais os motivos dessa quantidade enorme de recalls de diversas montadoras. A origem de tudo é o próprio sistema econômico no qual elas estão inseridas: o capitalismo selvagem.
Isso aqui não é um ranço comunista. Um blog entusiasta por automóveis não pode defender nunca coisas como Lada Laika e Zaporozhets, pelo menos não como a totalidade da frota. O capitalismo vai bem, obrigado, mas não em sua variação selvagem.

Esta selvageria impõe o seguinte: lucro máximo, sempre. Tudo o que puder ser feito em prol do lucro máximo será feito. E aí você vê as empresas tirando os notebooks dos gerentes que, através de uma análise feita por TI, trabalham sempre no mesmo lugar e, portanto, não precisam de um computador móvel. Ignorando, claro, o efeito nefasto que isso tem na relação deste gerente com o trabalho. Outros lucros máximos envolvem oferecer o mínimo plano de saúde possível, e pedir para os funcionários arcarem caso queiram ter um atendimento minimamente civilizado. E, um clássico do capitalismo selvagem, cobrar pelo cafezinho da máquina. Aquele mesmo, que é bem horrível.

O que podemos esperar do capitalismo selvagem aplicado às montadoras? Trabalhadores descontentes e, portanto, relapsos com seu trabalho. Componentes feitos na China da forma mais barata possível, feitos com materiais vagabundos e ciclo de vida muito curto. Reaproveitamento de projetos, plataformas e motores até bem além de sua vida útil, para evitar o gasto com outros projetos, que são caros. Existe um caso famoso nos EUA, do Ford Pinto, cujo tanque de combustível na traseira, em caso de colisão, poderia ser perfurado pelo diferencial e causar explosões. Ao invés de convocar o carro para um recall, a Ford preferiu pagar as possíveis indenizações. 27 pessoas morreram por conta de explosões deste modelo.

Existe um limite para o lucro. Não se pode pensar somente no retorno para os acionistas e nos bônus ultra-polpudos dos altos executivos. Este é um assunto que já é debatido nos fóruns de sustentabilidade corporativa. Que adianta a empresa patrocinar uma ONG, ou plantar árvores, se os próprios produtos e serviços que ela oferece são assolados por essa brutalidade?

Se as montadoras pensassem um pouco menos no lucro e um pouco mais na comunidade, pressionando menos os fornecedores pelo preço mais baixo possível, não submetendo a força de trabalho a uma carga horária excessiva, a quantidade de recalls diminuiria significativamente. Com isso, aumenta-se o respeito à vida humana que, no final, está em jogo nesta história toda.