Teste: Citroën C4 Exclusive 2.0 automático
Existem três caminhos a se seguir quando se namora um carro 0 km automático na faixa dos 70 mil reais. Um deles é o dos carros com os equipamentos básicos: ABS, duplo airbag, ar-condicionado, direção hidráulica e trio elétrico. Existe o meio termo, de carros que somam a essa lista ar-condicionado digital de duas zonas, teto solar, computador de bordo e faróis de neblina. E existe a opção super completa, com sensores de chuva e luminosidade, retrovisor interno fotocrômico, retrovisores externos rebatíveis eletricamente e limitador de velocidade.
A escolha pela terceira opção é óbvia? Bem, se compararmos os números de vendas de Honda Civic, Ford Focus e Citroën C4, veremos que as pessoas pagam mais caro num carro muito menos equipado. O que levam para casa é uma série de fatores intangíveis, como a confiabilidade da marca Honda. Mas será que o pacotão de equipamentos do C4 não faria o hatch virar o jogo?
Para tristeza do entusiasta, a Citroën demorou a retomar sua atuação no segmento dos médios após tirar de linha o Xsara, um excelente carrinho. Após anos empurrando Picassos e C3, eis que finalmente a família de médios chegou por aqui, primeiramente com o chinês C4 Pallas, versão que não existe na Europa, e agora com o C4 hatch, produzido na Argentina e em uníssono ao que a Citroën oferece na Europa hoje – desde 2004.
É um carro bonito, que chama a atenção. Suas linhas, mais do que belas, são exclusivas: o C4 é um carro inconfundível. Eu particularmente não gosto do excessivo balanço dianteiro, que desequilibra o carro. Fora esse detalhe, os faróis dianteiros e traseiros e as rodas são de muito bom gosto, bem como o detalhe da coluna central em preto. É um belo automóvel.
A impressão de futurismo encontrada no design se repete fortemente no desenho interno. Logo de cara, chamam a atenção os quatro mostradores digitais (excessivos, a meu ver, e cuja iluminação do fundo laranja não é tão elegante quando a da Peugeot, que ilumina os números e não o fundo) e a direção de seção central fixa. Infelizmente, isso não é acompanhado por qualidade no acabamento: apenas uma pequena parte das portas tem forração em tecido (no caso do Exclusive, couro) e muitos dos plásticos, em especial na porta, são ásperos ao tato. Não é um carro mal acabado, longe disso: as maçanetas do teto têm retorno suave, assim como os porta-objetos de gaveta embutidos no painel – e forrados com tecido. Apenas o luxo não está no mesmo patamar do irmão 307, que segue dono do melhor acabamento da categoria. O C4 Exclusive está no mesmo bom nível do Focus Ghia, por exemplo.
A visibilidade é excelente à frente, porém nem tão boa assim para os lados por conta dos diminutos espelhos externos. Para trás é que a coisa complica: o vidro traseiro é pequeno, e o retrovisor, idem. A sensação é a de se olhar por um túnel e só enxergar o que se passa atrás pelo miolo.
Já ergonomia é muito boa. O banco abraça bem o corpo e é bastante confortável, revestido com um couro macio. O volante conta com dois ressaltos para o apoio das mãos, mas ainda prefiro um volante tradicional, no qual o centro vire também, pois é mais confortável para as mãos. Existe um certo excesso de comandos naquele miolo, embora, mesmo com esse excesso, coisas fundamentais como o botão "source" do som, que alterna entre rádio, CD, etc., não estejam presentes. Ao menos eles são razoavelmente intuituvos e o motorista que se liga em carro decora todos com certa facilidade. A buzina naquele aro é melhor do que a buzina excessivamente dura que vemos em alguns carros com air bag, como o irmão 307, mas não é o ideal. Há regulagem de altura e profundidade, e também de altura do banco. Seria de se esperar, num carro desse preço, regulagem lombar.
As acomodações são igualmente amplas e agradáveis no banco do passageiro, mas o mesmo não pode ser dito do banco de trás. Não é à toa que carros como Uno surpreendem pelo espaço: todo engenheiro sabe as maravilhas que a forma quadrada tem quando se trata de aproveitar o espaço. O teto curvado do C4, assim como no Symbol, atrapalha e muito o espaço atrás. O limite é 1,75m; acima disso, passageiros precisarão curvar a cabeça ou sentar-se mais à frente no banco, o que traz outro incoveniente: o espaço para as pernas também é limitado. Um motorista de 1,80m invalida o espaço atrás para pessoas acima de 1,70. Embora a questão do espaço do teto fosse previsível, dada sua curvatura, a falta de espaço para as pernas surpreendeu num carro com 2,60m de entreeixos. O Corolla tem a mesma medida e o espaço é consideravelmente maior. Ainda assim, os ocupantes "baixinhos" que couberem no banco terão um apoio de braços à disposição (deveria haver porta-copos integrado) e uma saída de ar-condicionado, com botão de regulagem da ventilação. É algo que todo carro deveria ter, embora roube o espaço do porta-objetos sob o apoio de braço central dianteiro, um fator aliás crítico no C4: apesar dos porta-objetos em formato de gaveta embutidos no painel, o espaço para miudezas um pouco menos miúdas (carteira, por exemplo) é escasso.
Os franceses têm se caracterizado por oferecer carros bem mais completos que a média. O C4 Exclusive, versão de topo, não é exceção. São seis airbags, ABS com EBD, computador de bordo super completo, som com MP3 e Bluetooth – sem entrada auxiliar e USB, porém – volante multifuncional, ar digital bi-zone, direção hidráulica, trio elétrico com um-toque em todos os vidros, travamento das portas à distância e ao rodar, faróis dianteiros e traseiro de neblina, sensores de luminosidade, de chuva e de estacionamento, retrovisor interno fotocrômico e externos rebatíveis eletricamente, limitador de velocidade (corta o motor e não simplesmente toca uma sineta) rodas aro 16 e luzes de leitura atrás, entre outros mimos. Senti falta do teto solar, que deveria ser de série no Exclusive, e não existe nem como opcional.
Quem empurra o carrinho é o 2.0 16v PSA, agora flex e rendendo impressionantes 151 cavalos com álcool. É um motor muito forte, que leva o C4 sem a menor dificuldade. Há torque desde baixas rotações e, acima de 3 mil rpm, transforma o carro num esportivo, inclusive com um ronco bastante agradável e suavidade de funcionamento. Seria um dos melhores motores à disposição do brasileiro hoje não fosse a sua sede intensa – a versão manual atinge 5,3 km/l de álcool na cidade (ao menos o tanque comporta 60 litros), e devemos esperar índices ainda piores neste C4 automático.
Automático aliás, que foi o grande motivador deste teste. Quando dirigimos o 307 sedan, o câmbio foi o grande destaque negativo do carro, deixando-o amarrado e acabando com o prazer em dirigir. Agora, em que estamos com o melhor câmbio nacional na memória recente, testado no Bora, como se comporta o câmbio do Citroën, que a PSA jura ter melhorado após a introdução do flex?
A resposta é: muito bem, obrigado. Foi de fato realizado um belo trabalho de calibração. Dentro dos limites, afinal é uma caixa de apenas quatro marchas, não há mais engasgos nas retomadas em baixa velocidade, e nem indecisão quanto a reduzir para primeira – o câmbio mantém a segunda marcha e sobe o giro do motor para produzir potência quando se pressiona o acelerador a fundo em baixas velocidades. Permanecem como pontos negativos outros pormenores: as trocas são um tanto abruptas, em especial as reduções de marcha feitas automaticamente quando se reduz velocidade, e as trocas feitas manualmente demoram uma eternidade a se concretizar. Por outro lado, é um câmbio que retém marchas ao se tirar o pé do acelerador, o que não deixa aquela situação desagradável de carro solto.
Assim, se, antigamente, o câmbio era um grande fator negativo na compra de um PSA automático, hoje já não existem tantos senões a serem considerados em relação a outras caixas de quatro marchas, especialmente a do Focus e a da GM usada no Astra e no Vectra.
Apesar do conceito tradicional de suspensão, com eixo de torção atrás, o C4 mostra uma boa calibração. É interessante notar que a PSA tem voltado os Citroën para o conforto, logo eles que são tradicionais em suspensão adaptativa. No caso do C4, há bastante equilíbrio entre estabilidade e absorção de irregularidades. Um Focus, com sua suspensão mais avançada e muito bem calibrada, é mais suave em percursos irregulares e mais firme e preciso em velocidade. Dentro das limitações do eixo de torção, no entanto, o C4 vai muito bem, auxiliado pelos pneus Michelin de série.
O porta-malas é apenas razoável, com 320 litros, mas é bem acabado, com acesso razoável, iluminação e dois puxadores internos na tampa.
Se possuir um carro fosse apenas isso, comprar e pronto, eu poderia muito bem recomendar o C4. Como produto, novo, saindo da loja, ele é muito bom; só peca no espaço traseiro, que pode não ser fundamental para muita gente. Mas ter um carro não é só comprá-lo. Precisamos de um carro que seja robusto; que dê poucos ou nenhum problema mecânico; que pertença a uma empresa que preze a concorrência entre concessionárias, para que seja possível pesquisarmos preços mais baratos; um carro no qual basta virar a chave e eu tenho certeza que ele me levará a qualquer canto. E nada disso, infelizmente, eu posso esperar do C4, graças ao histórico da marca no Brasil. A manutenção é cara e, em muitas vezes, desesperadora graças à falta de peças e às seguidas quebras; o carro não transmite solidez; os preços cobrados nas concessionárias são aviltantes e o mercado paralelo oferece poucas opções – embora a Citroën tenha um plano de revisões tabeladas com preços razoáveis para a linha C4.
Além disso, a sede foi muita ao precificar o C4 Exclusive a 72 mil. Embora todos saibamos que este preço, de verdade, depende muito da negociação com o vendedor e da oferta feita pelo usado na troca, a faixa dos 70 mil é povoada no final de seu espectro por três concorrentes de muito peso: Jetta, Fusion 2.5 e Azera. Os três colocam o C4 no bolso a qualquer momento, sem esforço algum. Por apenas 6-7 mil a mais, valem a pena. O Exclusive estaria bem cobrado se custasse ao redor de 65 mil. E, mesmo se nos atermos aos carros médios, por 70 mil é possível comprarmos o Focus Ghia, que como carro é no mínimo equivalente ao C4 e traz muito menos preocupações de pós-venda, e ainda o Corolla que, apesar de sedã, é um produto muito interessante na versão XEi automática, bastante completo e muito bem acabado.
Estilo 10 – É muito bonito, é ousado, é diferente. Méritos para a Citroën, embora eu não goste do balanço dianteiro excessivo.
Imagem – É um carro jovem, para pessoas bem-sucedidas que buscam fugir do óbvio (Golf, Focus). Passa uma mensagem diferenciada, de que o motorista é atenado e se liga nas novidades. Uma imagem muito boa.
Acabamento 9 – Não é a referência do segmento, mas as peças têm bons encaixes e os materiais são agradáveis ao tato, com exceção da porta. Os porta-objetos são revestidos, inclusive na tampa do porta-luvas.
Posição de dirigir 8 – Pelo preço, deveria oferecer ajuste lombar. Também perde pontos pelo fato de que todos os ajustes são manuais. Mas é muito bom do jeito em que está.
Instrumentos 2 – Aqui foi do gosto pessoal. Os mostradores são completos, informam de tudo, e conjugando as informações do computador de bordo com o que aparece no display central, provavelmente sabe-se mais do carro no C4 do que em qualquer outro. Porém, não consigo em acostumar ao esquema digital. Além disso, é muito incômodo precisar olhar para um lugar para sabermos a velocidade e outro para sabermos os giros do motor.
Itens de conveniência 9 – Levaria 10 se tivesse teto. Mas é muito completo.
Espaço interno 4 – Bom na frente, extremamente crítico atrás. Se a ideia é levar passageiros adultos ali, é melhor considerar outro carro.
Porta-malas 6 – O volume não impressiona, 320 litros, mas ao menos é totalmente revestido e conta com iluminação.
Motor 8 – Sabe aquele rapaz que é bom no trabalho, pai carinhoso, mas bebe além da conta? É o motor. Faz tudo direitinho, mas poderia consumir uns 20% a menos.
Desempenho 10 – É mais do que suficiente para o uso normal, e o carro chega a empolgar numa tocada mais esportiva. Acelera e deslancha muito bem, em especial em velocidades coma de 50 km/h.
Câmbio 6 – A tendência aqui era dar uma nota mais alta, dada a melhora em relação aos câmbios usados anteriormente. Mas não vamos nos esquecer que continua sendo uma unidade de quatro marchas, com trancos e pouca suavidade.
Freios 10 – ABS com EBD, freios a disco nas quatro rodas, excelente modulação do pedal.
Suspensão 8 – Conceito antigo, porém resultados muito bons. É referência na categoria junto ao Golf e ligeiramente atrás do Focus.
Estabilidade 7 – Responde bem a uma tocada mais agressiva e dá segurança ao motorista até um bom limite. Não é um esportivo de molas duras, no entanto.
Segurança passiva 10 – Seis airbags, freios ABS com EBD, atualizado em relação às normas europeias de colisões. Melhor, nesta faixa, não há.
Custo-benefício 6 – No papel, é muito atraente pelo vasto conteúdo e potência do motor. Mesmo o Focus Ghia não tem tantos equipamentos – além de não ser flex. No entanto, com pouco dinheiro a mais, já é possível dar um salto quântico e partir para um Jetta, Fusion ou Azera. E, se ficarmos na mesma categoria, há o Corolla XEi que traz toda a confiabilidade Toyota num pacote que, se não é tão completo quanto o do C4, não faz feio.
Comentários
abraços
O C4 VTr é um carro lindo, com um visual super diferente e a Citroen decide para de vendê-lo para vender essa bolinha de 4 portas. Um pecado, ediondo o carro.
E como já dizia o sábio Jeremy Clarkson:
No céu os engenheiros são alemães, os policiais ingleses e os chefs franceses. No inferno os chefs são ingleses, os policias alemães e os engenheiros são franceses.
As notas não devem ser comparadas diretamente, e sim avaliadas num contexto. O novo Focus é um excelente carro que ganharia muito se tivesse um câmbio melhor. O C4 é um carro muito bom, que se beneficia da PSA ter melhorado muito o câmbio automático, que antes era bem problemático.
Na comparação direta, a unidade da Ford e a da PSA são bem similares em recursos e funcionamento.
Foi por acreditar em seu bom senso e avaliações imparciais que não resisti e acabei comprando um Fusion para mim.
Parabéns pela compra e curta muito seu excelente carro!