Old habits die hard
Já falei aqui do Top Gear, o melhor programa de televisão sobre carros do mundo e, sinceramente, um dos melhores programas de TV do mundo, ponto. Eles transmitem de duas a três "temporadas" por ano, séries de 7-8 episódios, e aí param por uns quatro meses. O link está aí na direita.
No domingo, dois de agosto, acabou a 13ª. temporada. Tudo muito bem, até a última parte: Jeremy Clarkson, o apresentador principal, testando um Aston Martin Vantage RS V12. Ao contrário do que acontece normalmente, com ele elogiando as qualidades dinâmicas do carro e queimando muita borracha, o vídeo mostrou o carro numa estrada, sendo filmado magnificamente bem, com uma música muito triste ao fundo. Clarkson comentou, sério e em pouquíssimas palavras, que a era dos carros prazerosos de se dirigir está morrendo, graças a diversas pressões internacionais: alta do petróleo, a questão ambiental, crise econômica, e tudo mais.
No mesmo domingo eu estive em Interlagos pela manhã, acompanhando umas corridas que culminaram num evento chamado "500 km de Interlagos". Uma apologia ao motor, ao prazer em dirigir. Só que reservado aos pilotos e aos donos de Ferraris e Porsches que compareceram ao evento e tiveram a oportunidade de andar naquela pista, graças à iniciativa de uma importadora. Eu já tive o privilégio de dirigir naquele circuito e sei da adrenalina que é.
Saí do autódromo e fui para casa, início de tarde de domingo. Meu amigo dirigia um Citroën C3 1.4. Estimulado pela corrida, ele decidiu andar forte em alguns trechos. Há, impossível. A quantidade de buracos, caminhões, ônibus, carros velhos e simplesmente motoristas nós cegos não deu a ele a mínima segurança para acelerar. E não estou falando aqui de velocidades abusivas, digo acelerações mais rápidas e curvas feitas com mais ênfase. Não dá: o ônibus sai sem dar seta, o caminhão precisa de quatro pistas para fazer a curva, o Corcel quebrou na pista da esquerda, tem uma Kombi (Kombi sempre atrapalha)...
E, com isso, posso dizer: a grande cidade, ou São Paulo pelo menos, matou o prazer de dirigir. Me deu uma certa inveja de Pyongyang, a capital da Coreia do Norte, que vi numas fotos mostrando avenidas sem absolutamente nenhum carro.
Outro dia um outro amigo estava elogiando as marcas de consumo atingidas pelo seu automóvel. Concordo que é algo legal, mas onde está o papo de tomadas de curva feitas com precisão, direção com comunicação telepática, suspensão com reações rápidas e previsíveis, aquele motor de ronco delicioso pedindo mais, o câmbio exato e delicioso de se manusear?
Não quero aqui, em nenhum momento, estimular a condução irresponsável em que alguns ainda insistem. Mas puxa: curtir o carro, dentro dos limites responsáveis, tornou-se impossível. Um trecho em aclive e declive, cheio de curvas, que eu adorava fazer rápido há um tempo hoje tornou-se um trecho do qual eu DESVIO, dada a quantidade de carros que sempre trafegam por lá. E isso sem contar o asfalto deplorável.
Some-se a isso os carros que temos hoje, com motores antiquados, que se levados a 5 mil rpm fazem tanto barulho que parecem que vão estourar; as suspensões de conceito antiquado; os câmbios totalmente imprecisos; os bancos sem nenhum apoio lateral; e tem-se um mar de meios de transporte, sem prazer nenhum, apenas levando seus motoristas. Um mundo bege, pastel, sem graça.
Por isso, a próxima vez em que você – responsavelmente – for dar uma esticadinha, lembre-se que você está cultivando um hábito que existe desde o início da era do automóvel e que, graças a muita incompetência, está acabando.
Comentários
Aqui em Brasília, ainda é bom, mas é visível a piora a cada ano.
É muito boa essa sensação de adrenalina e velocidade.
E o melhor de tudo é que, nesse horário, não haverá nenhum caminhão, ônibus ou Kombi para atravessar no caminho! rsrs
E a lei está a nosso lado. Basta ver que é infração não dar passagem quando solicitado, mas alguém já foi multado por isso? Seria bom se começarem a multar. São esses errados que se acham certo que estão acabando com o nosso prazer de dirigir.