Bons produtos, mas o gerenciamento...

Os leitores que me privilegiam ao acompanharem este blog há algum tempo sabem que tenho um nojo profundo do mau gerenciamento. É culpa de gerentes e diretores idiotas que nós dirigimos hoje carros com defeitos tão cabais, tão atrasados tecnologicamente em relação ao que há de melhor no mundo hoje.

Se é que isso serve de consolo, aparentemente os executivos americanos não são muito melhores. Ao trabalharem mirando o lucro no curto prazo há décadas, eles chegaram hoje a uma posição tão insustentável que o respeitado colunista de economia da revista online Slate já declarou que a indústria automotiva americana falhou.

Fixando no tema nos produtos – e essa é uma questão muito além do line-up de produtos em si – eu consigo entender o problema da Chrysler, por exemplo, que produz ótimos carros de nicho, que não vendem nada (como minivans e super esportivos), e tinha seu forte na linha de jipões que, como sabemos, são beberrões de gasolina inveterados e os americanos não os querem mais. Tanto que o produto de destaque do portólio da Chrysler hoje é o 300C, que é tão grande e barca e consumidor de gasolina aqui quanto nos EUA. Além disso, a Chrysler é essencialmente americana, voltada para vendas nos EUA, um mercado em altíssima depressão. A presença da Chrysler nos países em desenvolvimento (BRIC) é nula.

A GM eu também entendo. Foi muita burrada. Se hoje a Cadillac tenta impor respeito como alternativa às Mercedes e BMW, foram quantos anos vendendo apenas ao público americano sênior? Muitos carros medíocres e inferiores à concorrência, com competitividade apenas no segmento falido hoje: picapes e SUVs. Eles lançaram o Hummer! Quer maior demonstração de miopia estratégica do que isso?

A linha pavorosa de produtos que a GM vende hoje no Brasil é assim ruim pois todo o lucro é sugado pela matriz. Você que acaba de comprar um Astra ou Vectra com um motor da década de 80, acabou de pagar uma operação de canal de algum americano aposentado da GM. Não tenha dúvida disso. Por que o carro estaria bem pago, com impostos e tudo, com R$ 35 mil. E nem vou entrar no mérito do Volt, o carro que “vai salvar a GM” e que já existiu há 20 anos, na forma do EV-1, morto pelo pensamento de lucro a curto prazo da GM.

Mas a Ford me escapa. Não a Ford americana, que padece dos mesmos defeitos do line up de produtos de GM e Chrysler. Mas a Ford é uma multinacional há anos, e produz carros excelentes em sua divisão européia desde os anos 70. Sierra, Escort, Focus, as várias gerações do Fiesta, o Ka, o excelente Mondeo. A Ford é grande na Europa, um mercado maduro e que entende de carros; ao contrário do americano médio, que compra qualquer coisa maior que o carro do vizinho. Há anos a VW vem lançando Golfs excelentes; há anos a Ford coloca na rua Escorts e Focus que são no mínimo tão bons quanto. Geração atrás de geração. Aqui no Brasil nós nos beneficiamos disso, e infelizmente não aproveitamos mais por conta da malfadada AutolatRina. O Escort 84 era o carro nacional mais moderno, ao lado do Monza. A perua Escort deixou uma lacuna que até hoje não foi preenchida. O Focus é o melhor médio nacional desde que ele existe.

E mesmo com tudo isso, a Ford americana insistiu em projetos locais beirando a mediocridade. O Focus lá ainda está na primeira geração, descaracterizado com um face-lift pavoroso. O Mondeo, provavelmente o sedã médio mais bonito à venda hoje NO MUNDO, nos EUA é representado pelo Fusion (um bom projeto, mas que não se compara ao Mondeo) e pelo atual Taurus, que é ridículo.

Quando as japonesas começaram a fazer sucesso de verdade em solo americano, juntamente com a VW, era só a Ford encher navios com seus carros feitos na Europa e a competição estava pronta. Não; eles decidiram disputar um mercado cada vez menor com a GM, de SUVs e picapes, e as japonesas comeram pelas beiradas. Há anos o sedã mais vendido nos EUA é o Toyota Camry. Poderia perfeitamente ser o Mondeo.

Isso iria salvar a Ford? Só isso com certeza não. Mas se o planejamento estratégico de longo prazo fosse menos medíocre e centrado no lucro imediato, as coisas hoje poderiam ser bem diferentes. Sorte das três grandes terem o governo americano por trás que, bem ou mal sua capacidade financeira, é a única superpotência militar do mundo. E isso, para pavor dos pacifistas, resolve tudo.

Comentários

Barcellos disse…
Excelente post! Mas se uma GM ou Ford fechar por lá, algo muito próximo de acontecer, o que você acha que vai acontecer em países como Brasil? Sabemos dessa remessa de lucros da GM BR para os EUA. Poderia ser uma inversão de filial/matriz? Ou isso é bobagem?

Seu blog é certamente o melhor, senão único destas terras. Parabéns!
Dubstyle disse…
Fer,

Obrigado pela visita e pelos elogios!

Existem várias opções para a GM. Uma, que acho ser a mais provável, é ela ser ajudada pelo governo americano, e aí nada afetaria a GMB. A segunda opção é ela entrar em concordata e, de novo, nada afetaria as operações da GMB, ao menos no curto prazo. Se a GM quebrar de vez, com certeza a "parte lucrativa" que inclui a GMB seria incorporada por alguma outra montadora. Mas isso é muito difícil de acontecer...

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