Os acovardados
Recebemos um comentário tão bom que a resposta
vale um post em tópicos.
Minha questão é a gestão local da indústria automobilística, que alguns chamam de predatória, mas eu prefiro chamar de tacanha mesmo, já que deixa de agregar valor sustentável à imagem das suas marcas, com investimentos estruturais na operação brasileira, que tornariam seus produtos muito mais atraentes.
E, nesse ponto, me refiro a repensar a relação com os
concessionários com um compliance efetivo, e também rever o preço das peças.
Não consigo entender como uma peça da VW que custa 600 euros
numa concessionária, na França, custe 3 ou 4 mil euros, num concessionário
brasileiro. Não há tributo, custo de importação ou de operação que justifique
essa diferença.
E insisto no ponto porque penso que - mesmo com produtos
muito menos atraentes do ponto de vista do entusiasta - Honda e Toyota
repensaram esse pós venda no Brasil, e conquistaram um valor agregado às marcas
delas, que já certamente compensou o investimento.
A primeira coisa a reconhecer é a altíssima
complexidade de se fazer negócios no Brasil. Por motivos de tributação
bizantina, corrupção, falta de segurança jurídica (leis que mudam a toda hora),
qualquer empresário no Brasil é um herói. Agora, claro que isso tudo se reflete
no preço das coisas. Nós pagamos mais caro no pacote de macarrão porque a
empresa que o fabrica precisa manter uma equipe enorme somente para pagar
impostos.
Esse custo adicional não é normalmente coberto
pelos salários mais baixos que se pagam por aqui com relação aos países
desenvolvidos. Salários que aliás nem sempre são mais baixos devido, mais uma
vez, ao apetite do governo por impostos, que praticamente dobram o custo do
empregado.
Essa precariedade afeta o destino dos
investimentos. As matrizes das montadoras avaliam em que país investir
dinheiro, e o retorno que o Brasil oferece a esse investimento é
invariavelmente menor do que outros países.
O reflexo disso no mundo automotivo são carros
que passam por doze face-lifts, motores antiquados, interiores pobres, e por aí
vai.
Isso também afeta a relação com as
concessionárias. Um exemplo que vivenciamos em outra indústria era a relação de
uma fabricante de eletroeletrônicos com suas autorizadas, ou assistências
técnicas. Antigamente, a empresa repassava dinheiro para essas assistências,
que era utilizado para manter equipes em campo, treinar técnicos e por aí vai.
Com o passar dos anos, e a pressão dos acionistas por cada vez mais lucro, essa
verba acabou. A assistência precisa cobrir os próprios gastos. Aí aconteceu o
óbvio: redução de quadro, os técnicos mais experientes e mais caros foram
demitidos, o estoque de peças desceu a zero, a assistência virou multimarcas e
passou a priorizar os consertos que dão mais dinheiro. Nisso você está lá com
sua geladeira queimada e nada de conserto. Existe um dano à imagem da marca,
claro, mas que é conscientemente ignorado pelos gestores. É mais fácil explicar
aos acionistas a perda do cliente. E, conhecendo o brasileiro, se o preço ou a
parcela estiverem bons na loja, capaz dele comprar da mesma marca que o deixou
na mão.
Acontece igual com as concessionárias. Elas
precisam fazer dinheiro e como ficou difícil nas vendas de carros – e também
nas revisões, que agora são tabeladas – qualquer oportunidade para enfiar a
faca será aproveitada. E aí tome abuso no preço das peças. Temos convicção que
a VW foi a última montadora a tabelar o preço das revisões, e acabar com a
absurda recomendação de revisões de 6 em 6 meses, por pura pressão da
associação de concessionários, que é a mais bem organizada do Brasil.
Infelizmente não somos um mercado maduro o
suficiente no qual perder um cliente faça diferença. Felizmente, a repercussão
de alguns casos na Internet pode começar a mudar esse pensamento.
A nosso ver, Honda e Toyota vieram com uma
abordagem diferente quando procuraram empresários interessados em abrir
concessionárias. Ofereceram treinamentos, obrigaram padronizações e conseguiram
um atendimento e percepção de pós-venda muito superiores. Provavelmente até com
investimento oriundo das matrizes, algo que parece ser proibido nas outras
fabricantes. Aì agora se estabeleceram e estão nadando de braçada. Qualuer
outra montadora poderia ter feito o mesmo, mas acharam que não valia o custo,
dentro de sua miopia infinita. Aí o cara compra um Golf, um Fusion, belíssimos
carros, e é tratado como indigente no pós-venda.
(Isso quando não é ofendido ANTES da compra...
Recentemente fomos a uma Jeep ver o Compass e, como não tinha nenhum pra
vender, a vendedora nem se dignou a levantar da mesa. Visitamos uma Honda no
mesmo dia para ver o novo Civic e desnmecessário dizer que foi completamente
diferente o atendimento, mesmo com um carro que também vende bem).
Qualquer montadora poderia, com investimentos e
boa gestão, ter dominação total do mercado brasileiro. Sendo agressiva em
preços como a Hyundai de antigamente; com uma linha completa e atualizada de
produtos (como são mais ou menos as da Ford/VW); sabendo fazer negócio como a
Chevrolet; e gerindo as concessionárias como Honda e Toyota.
Só que os executivos brasileiros não têm
culhões para elaborar esse plano de negócios. Até o Jorge Paulo Lemann decidir
entrar nesse ramo...
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