Diferenças entre carros antigos e novos
Este texto
do Boris Feldman no AE foi a dica para escrevermos sobre algo que já pensávamos
há algum tempo, porém sem achar o “gancho” para escrever sobre. Gancho aliás é
jargão jornalístico que pode ser mal traduzido como motivo.
Não temos este saudosismo com carros
antigos, longe disso. Pode ser que os mais antigos, versados em afinar
carburadores, lixar platinado e trocar cabo de acelerador, sintam falta de
sentirem-se “no comando” do carro, aptos a resolver qualquer coisa, e sintam-se
frustrados ao se depararem com um problema de mecânica moderna que fuja de sua
compreensão. De fato, uma pane mecânica num carro moderno é quase sempre motivo
para chamar o guincho.
Essa modernização é inclusive
refletida no manual dos carros. O livreto do Fusca 72 que testamos há algum
tempo dedica quase metade de suas páginas a ensinar o motorista como resolver
problemas mecânicos do carro, meter a mão na graxa mesmo. Basta pegar o exemplo
mais simples que é a troca do óleo do filtro de ar: no Fusca ela deve ser feita
DIARIAMENTE em caso de muita poeira. Trocar esse óleo é simples, envolve
remover UM parafuso, mas quem hoje em dia se imagina TODOS os dias removendo
uma “panela” e trocando meio litro de óleo, com toda a sujeira em que isso
implica?
O manual de um carro moderno dedica
muito mais páginas a ensinar como funcionam todos os gadgets eletrônicos e
novidades. É sintomático que sejam dedicadas 30 páginas ou mais a como operar a
central multimídia, e com relação à parte mecânica a indicação é uma só: levar
à concessionária.
A confiabilidade excepcional que se
chegou aos dias de hoje é uma conquista importante do mundo automotivo, com
benefícios vários; ao bater a chave e sair com seu carro, você não se pergunta
se chegará ao seu destino. Antigamente, a chance de ficar parado no caminho por
pane era bem relevante.
No entanto, essa confiabilidade
extrema – aliada a fatores como custos e aproveitamento de espaço – criou um
problema importante para os entusiastas: todos os carros hoje são meio parecidos.
Tente comprar, no Brasil, um carro 0km que não tenha motor dianteiro,
transversal, três ou quatro cilindros, refrigerado à água, com tração
dianteira. É diferente guiar um Clio de um up? Sem dúvida; mas as diferenças se
revelam nos detalhes, como comando de câmbio, resposta da suspensão. Nos anos
60 você podia escolher entre Fusca (motor boxer traseiro, quatro tempos,
refrigeração a ar, tração traseira, quatro cilindros, câmbio no assoalho) e um
DKW (motor longitudinal dianteiro, dois tempos, refrigeração a água, tração
dianteira, três cilindros, câmbio na coluna). Quer diferença maior?
Por isso tem tanto entusiasta indo
pelo caminho do carro antigo. Sensações diferentes e muito prazerosas ao
volante, sem precisar comprar um Audi TT.
(Parênteses
para um comentário. Tá cheio de gente que se julga entusiasta por aí andando de
Logan. Nada contra o Logan, mas para se considerar entusiasta há que se fazer
movimentos DE VERDADE para curtir o hobby. Pode ser um carro antigo, ou um nem
tão antigo mas de curtição – tipo um Escort – ou ter um carro meio inadequado
para a família mas que seja divertido de dirigir, ou investir mais do que
deveria no carro. Troca o Logan num Sandero RS).
Vamos aos pontos do Boris:
- Eliminação de distribuidor e carburador:
a chance de uma pane caiu de, digamos, 5% para virtualmente inexistente. Não dá
nem pra comparar o grau de confiabilidade e de redução de emissão de poluentes.
Vá a um encontro de antigos no qual os carros sejam ligados e rapidamente
pode-se perceber a poluição no ar, algo que não acontece ligando vários carros
modernos.
- Empurroterapia: era possível
antigamente e agora. Vai da intimidade do dono com o carro. É possível que
antigamente, pela baixa confiabilidade, os motoristas em média tivessem mais
conhecimentos mecânicos e aí a empurroterapia era mais difícil. É complicado
dizer, achamos que tinha antes e continua tendo hoje.
- Chips milagrosos: nem vale a pena
perder tempo com isso, enganação total.
- Proibição de empurrar o carro:
exagero do colunista. Se feito corretamente, causa muito pouco dano no
catalisador, se é que causa. O que acontece é que, com a grande quantidade de
carros equipados com câmbio automático na rua, essa prática é cada vez mais
restrita.
- Lavar o motor com água pressurizada
é algo que não deveria ser feito antigamente e não deve ser feito agora. Não há
diferença.
- Facilidade de verificar os
problemas do carro usado a ser comprado. Relativo, pois também depende da
experiência do comprador. Pessoas sem intimidade podem ser enganadas mais
facilmente tanto antigamente quanto atualmente. Aqui, vemos mais um ponto
favorável aos carros modernos: como são muito mais confiáveis, a chance de
estarem inteiros é no geral muito maior.
- Hackers: os casos até agora têm
sido raros e escassos. A nosso ver é somente mais uma etapa na luta entre o
“bem e o mal” no que tange os automóveis. Chaves convencionais eram combatidas
com michas; travas de volante e ignição eram substituídas pelo ladrão; trava de
câmbio pelo carro guinchado; e por aí vai. Infelizmente o ladrão pode pular
tudo isso e encostar uma arma na cabeça do motorista.
No entanto, há dois pontos que vemos
vantagem na maneira como as coisas eram feitas antigamente. Um deles nem foi
explorado pelo Boris.
Chaves. Hoje as chaves são veradeiros
gadgets eletrônicos, cuja reposição é absurdamente cara em caso de perda ou
dano. Amigo nosso ficou 1300 reais mais pobre ao substituir uma chave de seu
Fusion, e ainda por cima precisou que o carro passasse um dia na concessionária
para reprogramação de todos os quetais. Chaves hoje precisam ser muito bem
cuidadas, e ações como colocá-las sobre os pneus para utilização de outra
pessoa podem acarretar grandes prejuízos.
As conveniências trazidas por essa
eletrônica toda são boas, porém relativas. Abrir portas à distância?
Porta-malas? Ligar o carro à distância pode ser útil se ele estiver sob sol
intenso e se você tiver deixado o ar-condicionado ligado ao desligar o carro,
ou seja, requer metodologia. Abrir o carro com chave convencional não é grande
incômodo, menor ainda se economizar 1300 reais...
E tem um aspecto das chaves que para
nós ainda não fez sentido: sensor de presença e botão de partida. Para
mulheres, sim: é colocar na bolsa e largar. Mas e se trocar de bolsa? E se
outra pessoa for usar o carro? E ao deixar o carro no manobrista e estrar no
recinto com a chave na bolsa?
Para quem não usa bolsa, a chave fica
no carro, solta em algum lugar (ou incomodando no bolso da calça). Se o carro
não tem um nicho específico para ela, a chance dela escapar é grande. Já nos
deparamos com chaves que caíram em lugares horrorosos, como embaixo dos trilhos
dos bancos dianteiros. Uma conhecida dona de um EcoSport perdeu a chave nessas
condições e desistiu de procurar, ficou semanas sem trancar o carro até que uma
equipe de um lava-rápido recuperou a chave, enfiada em alguma fresta do
interior. A nosso ver a melhor solução é a que tínhamos disponível no antigo
Fusion: uma chave convencional (podia ser canivete), utilizada no miolo de
ignição, porém com assistente de partida. Um toque no arranque era suficiente
para que ele funcionasse automaticamente até a partida do carro. Ou então um
lugar dedicado no painel para inserir a chave.
O ponto que o Boris não menciona, e
que para nós é vastamente superior nos carros mais antigos, é o acionamento do
acelerador por cabo. Ele traz uma resposta direta, dinâmica, pronta,
especialmente se o carro for carburado, pois a ação é mecânica. Existe muito
problema de lag e atraso entre o acionamento do acelerador e a efetiva resposta
do motor em carros modernos, muito por serem calibrados de fábrica para uma
resposta padrão, normalmente suave visando economia. Chega a matar o
punta-tacco: o “tapa” no acelerador não é acompanhado de uma resposta do motor
tamanha a demora na resposta. Num carro com cabo, uma reladinha no pedal já vem
acompanhada da resposta do motor.
Quem nunca teve a oportunidade de
dirigir um carro com comando de acelerador por cabo, recomendamos fortemente: o
imediatismo das respostas dá outro prazer em dirigir.
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