Warning: loyalty
Vamos sair um pouco do assunto agora. Mas
só um pouco.
Já citamos aqui algumas vezes o programa
britânico Top Gear, da BBC. É o programa de TV sobre carros mais assistido no
mundo, e uma grande fonte de receitas para a emissora britânica. Desde 2002 é apresentado
por três jornalistas, Jeremy Clarkson, James May e Richard Hammond. O programa
começou como algo bem focado em carros e suas avaliações no dia a dia, e ao
longo de 22 temporadas passou a ser mais um show de diversão revolvendo ao
redor de carros. Se no começo comentários sobre o porta-malas de um Berlingo
eram assunto, ultimamente o que se vê são Mercedes AMG andando de lado na
pista. De qualquer modo, a dinâmica de humor entre os apresentadores e as
imagens absolutamente maravilhosas dos carros por si só já valem assistir.
Jeremy Clarkson é o líder do trio de
apresentadores e o único que foi jornalista especializado em automóveis quase
toda a carreira. É a alma do programa e é fácil deduzir que teve um razoável
esforço para emplacar os primeiros Top Gear na grade da BBC, especialmente se
considerarmos que o programa já existiu no final da década de 90 e foi limado
da programação por baixa audiência.
JC sempre foi polêmico. É fumante assumido,
arrogante, e sem papas na língua. Isso se reflete na avaliação dos carros, por
exemplo. Quando não gosta, ele é bem claro com isso. Há algum tempo o programa
testou pequenas SUVs – Clarkson dirigiu uma Tiguan e May uma Mazda6. E JC
constantemente trocou os nomes dos carros, dizendo que eram “todos iguais”.
Recentemente ambos fizeram um segmento sobre Peugeots, chegando à conclusão que
a empresa em algum momento resolveu deliberadamente fazer carros ruins.
Esta postura levou a diversas reprimendas da
BBC e da Oxfam, espécie de agência reguladora das TVs no Reuno Unido. Aparentemente,
há alguns anos JC estava “under a final warning”, ou seja, sob aviso final.
Mais uma e algo sério aconteceria com ele.
E esse algo sério aparentemente foi uma
discussão com empurra-empurra (alguns falam em socos) com um produtor,
aparentemente por não haver um suculento filé à disposição dele após um longo
período de filmagem. Aí houve o desentendimento entre ele e um produtor, que
foi levado à atenção da BBC que decidiu suspendê-lo também sob a ótica do “final
warning”.
Clarkson sempre deixou muito claro que acha
tudo isso um absurdo. É fã de Fórmula 1 (inclusive tendo feito um segmento
muito tocante sobre Senna), e sempre que há alguma investigação ou suspensão na
categoria ele é categórico em dizer que os envolvidos deveriam resolver isso “como
homens”, o que, no linguajar politicamente incorreto dele, significa ou
partirem para uma briga de fato ou darem “tapas nos ombros” e comentarem que “na
próxima é minha vez de te pegar”.
Talvez JC tenha pensado o mesmo sobre o
entrevero, mas a BBC não. E com isso ele está suspenso e nesse domingo já serão
duas semanas sem Top Gear.
Toda essa explicação para chegar no ponto
mais relevante: seus companheiros de atração, Richard Hammond e James May, se
negaram categoricamente a apresentar o programa sem Clarkson. Ou vão todos ou
não vai nenhum.
Esse tipo de fidelidade é cada vez menos
comum. Quem está no ambiente corporativo já aprendeu que cada um defende o seu,
e que nem quem parecia ser seu melhor amigo vai arriscar uma vírgula se
precisar salvar seu nome. Infelizmente.
Claro que os apresentadores são estrelas
por si só e muitos defendem que os três saiam da BBC e criem um outro Top Gear
em outro canal, que será igualmente um sucesso. Mas não seria estranho ver os
outros dois apresentando, até porque muitos fãs realmente preferem eles a JC
(no M4R somos fãs do James May).
RH e JM têm mostrado seguidamente sua
lealdade nas redes sociais e declarações. É bonito ver que ainda existe
lealdade profissional no mundo.
Comentários