Teste: Lamborghini Gallardo LP560-4
Oi?
Então o M4R testou um Lamborghini Gallardo? Pois é. Tava na hora de saber a
real desses supercarros mesmo.
O
Gallardo é a versão reduzida do Murciélago, o primeiro Lamborghini civilizado.
Até o início do século 21, a Lamborghini foi uma excelente fabricante de
superesportivos malucos, pouco confiáveis, propensos a quebras e muito ariscos
de se dirigir na cidade. Entre vários fracassos (Urraco, LM-001), alguns
modelos povoaram os sonhos e os pôsteres nos quartos de gerações de
entusiastas, começando com o Miura dos anos 60, passando para o espetacular
Countach (palavra que, num dialeto italiano, significa “que gostosa” e é isso
mesmo que você está pensando) e o maravilhoso Diablo. Estes dois últimos
ficaram mais de dez anos em produção, o que mostra a dificuldade da empresa em
substituir seus modelos e projetar novos.
Até
que o Grupo Volkswagen incorporou a Lamborghini ao seu portfólio de marcas e
mandou uns alemães da Audi até Sant’Agata Bolognese ajudar num projeto novo. E
daí nasceu o Murciélago, de design inesquecível, fazendo alusão aos lendários
antecessores, empurrado pelo clássico V12 Lamborghini, mas... com
confiabilidade de Audi. Tração nas quatro rodas, um interior muito bem
executado, tudo funcionando, rodar suave na cidade e um demônio nas pistas. Os
alemães foram muito felizes em civilizar o carro, ao mesmo tempo mantendo o
caráter italiano. Sempre vão ter os reclamões, dizendo que os Lamborghinis de
verdade acabaram no Diablo, mas a verdade é que carros que não se sabem se vão
funcionar não cabem mais neste século.
O
Gallardo foi o segundo a nascer dessa linhagem, tido por muitos como um
mini-Murciélago. E, se este faz frente às grandes Ferrari de motor V12, o
Gallardo nasceu com a missão de combater as Ferraris de motor V8 – no caso, a
430 Modena, antecessora da 458 Italia. O que é uma tarefa até mais difícil,
pode-se dizer, dado que as Ferraris V8 são consideradas por muitos o melhor
carro esportivo do planeta desde a 355 de 1995.
De
forma muito inteligente, a Lamborghini não copiou a fórmula da Ferrari, mas sim
apostou na sua própria receita de esportivo: tração nas quatro rodas, motor V10
de muita potência e um peso nem tão reduzido assim. Então é um carro com um guiar
diferente das Ferraris: é menos suave, mais bruto. Aceita uma tocada pior, e
mesmo um motorista mediano consegue extrair bons tempos de volta com ela. A
tração faz milagres em colocar a potência no solo e permite acelerações bruscas
a partir do meio das curvas. O limite aparece de forma suave: o carro avisa
esta situação com subesterço na frente; caso seja a traseira que ameace sair,
ela faz devagar, permitindo que o motorista corrija. É um carro de baixa curva
de aprendizado; com poucas voltas numa pista já dá pra extrair muito dele.
A
diferenciação para as Ferraris também é a tônica do desenho externo; enquanto
filhas de Maranello optam por linhas suaves (embora FF e La Ferrari já estejam
num caminho mais anguloso), as Lamborghinis seguem a tradição do desenho
agressivo espetacular, cheio de cantos retos. É o mais próximo de um Batmóvel
da vida real. A Gallardo não tem mais o impacto do lançamento (que já não foi
muito, devido ao desenho muito similar ao do Murciélago), mas não deixa de ser
um carro muito bonito e chamativo – especialmente em branco ou amarelo, como o
que testamos.
O
cockpit para duas pessoas é revestido dos melhores materiais e acabamento, com
uma aplicação especial de Alcântara que o coloca num mesmo nível de refinamento
que um Aston Martin, por exemplo. As alavancas e botões têm acionamento suave e
peso correto. O banco apoia bem o corpo e, mesmo com bom apoio lateral, não é
daqueles que esmaga o motorista. Existem alguns senões, no entanto: o mais
grave é a pouca altura do carro: motoristas com mais de 1,85m terão dificuldade
de se acomodar, e se o foco for o uso em pista com capacete, pode tirar uns
cinco centímetros dessa conta. O segundo é a direção pesada, um incômodo em
manobras e mesmo na pista em curvas de baixa: algo um tanto mais leve
permitiria maior precisão nas entradas de curva. Sem contar que o volante é bem
sem graça.
O
cluster é bem simples, com os mostradores de velocidade, conta-giros,
combustível e temperatura da água onde deveriam estar. O computador de bordo
segue o padrão VW de duas medições.
O
motor é um V10 central-traseiro, derivado do utilizado pela Audi em carros como
o R8 e alguns modelos da linha RS. É perceptível o esforço dos engenheiros para
trazer algo mais de vocalização italiana para um motor tão alemão. É um ronco
diferente do V10 que testamos no R8 Spyder há dois anos, ligeiramente mais
agudo, mas ainda bastante encorpado. De verdade, para o entusiasta qualquer um
deles é música da melhor qualidade. Levar um desses V10 a 8 mil giros é uma das
coisas que um amante de carros deve fazer antes de morrer. Dizem que o 2.5
cinco cilindros do Jetta MkV e da Jetta Variant ainda à venda no Brasil é este
V10 cortado no meio e com comando mais manso. Verdade ou não, é um ótimo motor
também, com uma música que o Jetta TSI não conseguiu igualar.
São
550 cavalos a 8000 rpm, com 55 m.kgf de torque a 6500 rpm, ligados a um câmbio
manual automatizado monoembreagem (tipo Dualogic) de seis marchas e
escalonamento longo – a terceira é suficiente para velocidades superiores a 160
km/h, mérito também, claro, da elasticidade do motor. Trocas ascendentes são
feitas pela alavanca à direita do volante, e descendentes pela alavanca à
esquerda. Para neutro, aperta-se as duas alavancas ao mesmo tempo. Para
primeira, aperta-se a alavanca da direita. A ré é acionada por um botão no
console.
A
suspensão segue o conceito double wishbone na frente e atrás, similar aos dos Fórmula
1. E é rígida, que aqui estamos falando de superesportivos.
O
que chama a atenção quando um motorista “comum” vai guiar um Gallardo? Talvez a
primeira coisa é que este é um carro como qualquer outro: liga com facilidade,
a marcha-lenta é estável, em velocidades baixas é dócil e manobrável. Esta
história de supercarros com temperamentos exóticos parece ter ficado mesmo no
passado.
Outro
ponto que pode causar estranhamento é que a Gallardo não traz nenhum
equipamento de outra galáxia, como seria o caso num Mercedes S, por exemplo.
Estrão lá o trio elétrico, air bags, ABS, computador de bordo, os auxílios
eletrônicos de frenagem, estabilidade e tração, e não muito mais do que isso.
Coisas como retrovisores fotocrômicos e rebatíveis não fazem parte do cardápio.
Um Fusion Titanium, por exemplo, é mais completo em termos de equipamentos e
tecnologia embarcada.
A
aceleração, embora impressionante, é algo que de certa forma já se espera. Quem
já pôde descer a lenha em carros com mais de 200 cv tem uma boa impressão do
que é uma aceleração forte; aí é questão de somente imaginar isto mais rápido.
Com a tração AWD, a Gallardo transmite facilmente a potência para o solo e faz
bom uso da cavalaria disponível.
Agora,
a maior diferença disparado é como o limite em curvas é alto. Claramente é onde
fica o abismo entre um supercarro e um carro normal: qualquer Gol pode chegar a
570 cv com preparação pesada, mas nenhum Gol nunca terá o chassi de uma
Gallardo.
Você
entra numa curva a uma velocidade já razoavelmente elevada e não atingiu nem
50% do potencial. É até anti-natural para o cérebro, que fica mandando você
reduzir a velocidade. Esta confiança você vai ganhando aos poucos, deixando este
“conservadorismo” de lado e atacando as curvas numa velocidade cada vez maior.
E, como a Gallardo é muito dócil, os pneus e o subesterço avisam com elegância
quando o limite chegou. Nesse ponto o motorista se sente o Ayrton Senna do
momento. E, ao sair da curva, é praticamente só plantar o pé direito no
acelerador que a Gallardo dispara, com ampla potência em qualquer rotação. Só
não agrada muito o corte abrupto de potência ao tirar o pé do acelerador, e os
trancos do câmbio monoembreagem.
Como
seria de se esperar, os freios são muito bem balanceados, o feel do pedal é
ótimo e a Gallardo estanca sem grandes dificuldades.
Terminado
o passeio, fica claro que o lugar da Gallardo é na pista; no uso normal, embora
seja um carro muito civilizado e de ótimo comportamento, é um desperdício de
potencial – embora exista conforto para os passageiros e até mesmo um pequeno
porta-malas na dianteira.
Mas
quem compra um Gallardo dificilmente está pensando na máquina como carro do
dia-a-dia. É um brinquedo para as pistas, para causar inveja na porta dos
restaurantes, para no máximo estradas desertas. E para satisfazer um sonho.
Estilo
10 – Não há quem não concorde.
Imagem
– Jovem, agressivo, exclusivo, masculino, mas seria de babar ver uma mulher
desembarcando de uma... ao volante.
Acabamento
10 – Alcântara, couro, metal, tudo de bom gosto e muito bem executado.
Posição
de dirigir 8 – Regulagens manuais. Mas é muito fácil encontrar uma boa posição
de pilotagem – há que se acotumar com a pouca altura do solo, claro.
Instrumentos
7 – Tem o básico e um computador de bordo completo, mas nada de mais.
Itens
de conveniência 7 – Surpreende quem esperava equipamentos dignos de um Bentley.
Tem o necessário.
Espaço
interno 2 – É bom na frente, com exceção da altura. De resto, mande a sogra no
Range Rover com o mordomo.
Porta-malas
1 – Mande as malas junto.
Motor
10 – V10, girador forte, com ronco italiano.
Desempenho
10 – Precisa comentar?
Câmbio
7 – É um dos últimos esportivos com câmbio monoembreagem, que a concorrência já
adotou os de dupla embreagem. Dá trancos nas trocas, mas as mudanças são
relativamente rápidas.
Freios
10 – Os caras sabem fazer automóvel.
Suspensão
8 – Conceitos modernos e calibrados para lidar com o desempenho. Aqui não dá
pra exigir conforto de Cadillac. Esportivos mais modernos, no entanto, já
adotam controles eletrônicos para modular a rigidez da suspensão.
Estabilidade
10 – O motorista primeiro precisa reprogramar o cérebro para entender o que é
possível nas leis da física, e só depois vai começar a usar o potencial da
Gallardo.
Segurança
passiva 8 – Vem com os airbags de praxe. Mas é melhor não brincar com 570 cv.
Não consegue, não desce pro play.
Custo-benefício
0 – Uma compra que não é justificável por qualquer aspecto racional. Ainda bem
que existem pessoas que não ligam pra isso.
Comentários
Abraços!