Teste: Ford Mustang V6 Conversível
Respondendo
já de cara aos apressadinhos. Sim, vamos publicar o teste de um Mustang V6.
Pois é, não é V8. Nem tem compressor. Nem tem 500 cavalos. Sossegou aí na
poltrona? Se não, sempre tem teste do Agile na Quatro Rodas pra te ajudar a
passar o tempo.
Bom,
agora podemos começar.
Recentemente
publicamos o teste do Citroën DS4, bom carro que sofre de dois problemas: alto
preço e falta de carisma. Pois se tem um diferencial entre vários carros bons
atualmente é o quanto de carisma eles têm. Veja o caso do recém-lançado Fusca.
Carisma de monte, e acompanhado de um ótimo carro a um preço dentro de um
contexto. Pimba: sucesso de vendas. O mesmo vale pro 500 e pro MINI. Aliás,
essa coisa do carisma está ficando tão séria que até nomes como Escort e
Santana estão sendo cogitados para futuros carros que, vamos e venhamos, pelo
que vimos até agora vão ser daqueles sedãs bem sem graça.
Em
termos de carisma automotivo, talvez nenhum carro supere o Mustang.
Vejamos:
o Camaro é bacana, mas não tem um décimo da história. O Fusca tem suas origens
nazistas. A Kombi, já deu né? Dodge Challenger, muito legal, mas também não
compara.
O
Mustang extrapola os limites da indústria automotiva. Nós, entusiastas, podemos
ficar nesta discussão sobre carisma o quanto quisermos – o verdadeiro teste é
mostrar um Mustang para quem não curte carro. O sorriso e a associação com
“algo bacana” serão imediatas. Mais até do que uma Ferrari, por exemplo, que
para muitos é ostentação demais.
O
Jeremy Clarkson provou isso num episódio recente do Top Gear. Com um Shelby GT
500, ele foi de Londres a Milão e, na balsa que fazia a travessia do Canal da
Mancha, ficou impressionado com a roda de pessoas que tiravam fotos do carro.
Podemos
dar outro exemplo. Este teste foi realizado durante um período de uma semana
com o carro nos Estados Unidos. Neste período, vimos três Mustangs antigos, da
década de 60, rodando nas highways normalmente. Camaro? Challenger? Nenhum.
Diferentemente
dos outros muscle cars, o Mustang nunca teve a produção seriamente
interrompida. Durante a época de ouro, entre o lançamento em 1964 e a crise do
petróleo em 1973, teve versões exuberantes, motores enormes, vendas lá em cima.
Depois, como todos os carros americanos, perdeu tamanho, imponência, potência e
virou um cupê comum até. No início dos anos 80 experimentou com motores turbo,
nos anos 90 voltou a ganhar potência (o SVT Cobra dessa época é um clássico)
até que, na virada do século 21, e surfando na onda dos carros nostálgicos
iniciada pelo New Beetle, retomou o desenho original com uma leitura moderna e
virou um grande sucesso. Nos EUA, é um a cada esquina. E não é caro: famílias
de classe média podem ter um tranquilamente.
No
resto do mundo, o Mustang projeta seu carisma sem necessariamente vender bem.
Está disponível em pequenas quantidades na Europa, cujas ruas estreitas e
curvas acentuadas não são ideais para este carro largo e com eixo de torção
atrás. E não vamos esquecer que, pro algum motivo idiota, a Ford só se preocupa
em vender o Mustang nos EUA. Vendesse por aqui e aquela monstruosidade sonora
chamada “Camaro amarelo” nunca teria existido.
Para
os americanos, no entanto, o cardápio é farto. O mais humilde é o V6, modelo de
entrada. São 3.7 litros, 305 cv a 6500 rpm e a patada de 34,7 m.kgf de torque a
elevador 4250 rpm – o que mostra a modernidade do motor, com comando variável
de válvulas. Os V8 começam em 420 cv e vão até 662 cv na edição especial Shelby
GT500, simplesmente o V8 aspirado de produção em série mais potente do mundo.
Nossa
escolha caiu sobre o Mustang conversível, com motor V6, e o motivo é simples:
baixar a capota pode ser feito a qualquer momento. Cutucar 500 cavalos, ainda
mais num país de auto-estradas maravilhosas e limitadas a 80 km/h, é bem mais
difícil.
O
design, praticamente inalterado desde que esta repaginação aconteceu, é uma
mescla perfeita entre os traços originais do Mustang e um ar moderno. Um carro
bonito, imponente e, principalmente, carismático. Não tem como se aproximar
dele num estacionamento e não sorrir. O preço a se pagar é a eficiência
aerodinâmica: é tão ruim cortando o ar que imaginamos, se um Mustang cair do
abismo, provavelmente a resistência do ar não deixa chegar até o final.
Por
dentro, a releitura história se limita ao painel de instrumentos. E não dá
muito certo: o ar nostálgico não colabora com a leitura (igualzinho acontece no
Camaro). Bancos, painéis de porta e console central são modernos, e muitas
vezes compartilhados ao menos em parte com outros carros da Ford. E, falando em
Ford, interessante como o nome da montadora não aparece em lugar nenhum. É
“Mustang” e só.
Nosso
carro testado tinha regulagem elétrica de altura, distância e lombar para o
motorista. O volante é regulável somente em altura, o que complica achar uma
boa posição de dirigir: ou o braço fica muito esticado ou as penas ficam muito
flexionadas. Além disso, com a capota abaixada, o espaço para as cabeças é
consideravelmente reduzido, embora não tenha chegado a incomodar.
Falando
nela, a capota é de lona e é acionada eletricamente somente com o carro parado.
Para abrir, é necessário baixar os dois para-sóis e movimentar duas alavancas
acima destes. Com o teto solto, é preciso apertar e manter pressionado um botão
no teto, que primeiramente abaixa os vidros para depois recolher a capota,
operação que leva uns 20 segundos. Subir é a mesma coisa: apertar o botão, os
vidros descem, a capota sobre, e depois é necessário prender as travas. Ao
abrir, altura é um problema: é recomendável abrir a capota somente em lugares
abertos, pois ela fica bem alta ao executar o movimento de recolher.
E
dá pra entender também como a capota de lona é mais simples do que as de metal.
Infelizmente, capota de lona só em lugares muito civilizados. Qualquer gatuno
com um faca poderia fazer um baita estrago...
Ao
contrário do que muitos pensam, rodar com a capota aberta não é algo para calor
intenso. O couro cabeludo queima, o vento da estrada não é suficiente para
resfriamento. Conversíveis são para dias claros de temperatura amena (perfeitos
para o inverno brasileiro abaixo do Trópico de Capricórnio), ou mesmo dias
nublados, trafegando a velocidades médias: 60 a 90 km/h, no máximo. Acima
disso, incomoda o ruído do vento.
A
melhor sensação é a de amplitude, de ter somente o céu acima de você. Andar
numa estrada cênica, de paisagens bonitas, com um conversível é uma experiência
única: visibilidade total, desimpedida, como se integrasse o motorista e o
passageiro à paisagem.
A
pior sensação é a de precisar fechar a capota toda vez que parar em algum
lugar. E claro, ao final de um dia de estrada, uma certa sensação de cansação
devido à exposição ao tempo.
O
acabamento do carro é ruim, com plásticos duros no painel e na porta. Ao menos
bancos, manopla e volante era revestidos em couro de boa qualidade na unidade
avaliada. O rádio tem qualidade sonora apenas razoável, e é mais fácil
programar um videocassete daqueles quatro cabeças do que manuseá-lo. Tentar
parear o Bluetooth quase causou ataques cardíacos nos que tentaram. Tudo é meio
tosco, rude por dentro. Fica claro que ainda há bastante o que os americanos
podem aprender com os europeus em termos de interiores. Na avaliação recente do
Shelby GT500, o Top Gear comparou-o a um carro europeu dos anos 70, no sentido
em que ambos podem rodar longas distâncias a 130 km/h, mas o motorista estará
moído após poucas horas, devido a bancos pouco anatômicos, falta de conforto e
excesso de NVH (barulhos, vibrações e asperezas). O que não acontece num modelo
mais humilde, como o Focus – citado pelo programa.
Não
achamos que o Mustang seja ruim neste nível (em especial o que avaliamos, com
menos de 300 km rodados), mas refinado não é.
Com
peso beirando os 1600 kg, o Mustang não é exatamente leve e nem ágil – muito
menos com o V6 e câmbio automático de 6 marchas com relações americanas
(leia-se, primeira e segunda curtas para arrancadas e as outras quatro marchas
super longas para silêncio nas highways). Aliados ao volante de grande
diâmetro, compõem uma experiência diferente, bem muscle car: disposição nas
saídas, ronco do motor, frente empinando, aliados à falta de precisão no
volante, pouco fôlego depois de 100 km/h e estabilidade somente razoável,
graças sobretudo à suspensão extremamente dura, que faz sentir qualquer
solavanco na estrada. Nos Estados Unidos, onde dirigimos, nos incomodou muito
pouco – no Brasil seria insuportável. A suspensão é mesmo o ponto fraco do
Mustang; não dá pra entender a insistência da Ford no sistema de eixo rígido na
traseira. Os freios são bons e a modulação do pedal é adequada.
Claramente,
o Mustang V6 conversível não é uma máquina de pilotar. O motor não rende muito
em baixa e sofre para acelerar o carro, especialmente nas retomadas em alta
velocidade, como 90-120 km/h. O câmbio é suave e decidido, mas calibrado para
economia, com trocas a 1500 rpm. Existe a opção sport ou trocas manuais por
botão na alavanca. As marchas muito
longas acima da terceira também não colaboram. Some-se a isso a direção
imprecisa, com pouca resposta, e a suspensão de comportamento bizarro e o
resultado não é um carro para track day. Bem disse o Richard Hammond no Top
Gear: Mustangs são como motos Harley Davidson; as pessoas pensam que são
rápidos, mas na verdade não são.
Os
equipamentos também não são lá muita coisa. Há air bags frontais, laterais, ABS
e pouca coisa além disso: som para um CD com MP3 e Bluetooth, ar-condicionado
manual, trio elétrico, piloto automático (com excelentes comandos no volante
que deveriam ser copiados pelas montadoras que insistem em poluir as alavancas
com isso, como Toyota e principalmente VW), banco do motorista elétrico sem
memória. De diferenciado há uma tela de alta definição entre o velocímetro e o
conta-giros, mostrando informações do completíssimo computador de bordo (e é
completíssimo mesmo; não só traz as informações usuais como pode mostrar como
está a mistura ar-combustível, voltagem da bateria, temperatura do óleo,
consumo do último período, dá pra perder uma meia hora brincando com ele), e o
ajuste em sete cores da iluminação, incluindo os detalhes em LED nos
porta-trecos e até mesmo a moldura brilhante do cluster.
Gostoso
mesmo é passear com o Mustang a velocidades moderadas, capota abaixada,
curtindo o sol e o vento. Não é gostoso correr com o Mustang, nem manobrar, nem
andar na cidade. Podemos dizer que o Mustang conversível é um carro excelente
para condições excelentes – mas precisa de boas melhorias para se tornar um
carro para todos os momentos e situações. A não ser que seja uma avaliação de
carisma; aí o Mustang é imbatível.
Estilo
10 – Carismático, remete ao passado, mas é atual. As pessoas sorriem quando
veem.
Imagem
– Ambos os gêneros, todas as idades, vale tudo – todos gostam do Mustang. As
versões mais esportivas são mais masculinas.
Acabamento
5 – Execução OK, materiais nem tanto. Plástico duro por todos os lados.
Posição
de dirigir 4 – Bizarro não ter regulagem de distância do volante. Nem todos os
tipos físicos se adequam bem.
Instrumentos
9 – Painel com o básico, e números até um tanto difíceis de ler, mas o
computador de bordo é sensacional.
Itens
de conveniência 4 – Tem o básico. Qualquer Peugeot 208 vem bem mais equipado
que ele.
Espaço
interno 3 – Os bancos atrás são para decoração apenas. Levam malas ou crianças
sem as pernas. Na frente a limitação é o teto um tanto baixo.
Porta-malas
2 – Acesso crítico, porém bem-acabado e com dobradiças pantográficas. O volume
é pequeno. O espaço para a capota é separado. E convenhamos que “espaço no
porta-malas” não é prioridade para quem procura um Mustang conversível.
Motor
8 – O Duratec 3.7 V6 é potente, torcudo, gira bem e tem um barulho gostoso. Só
não é muito econômico, especialmente empurrando 1.600 kg.
Desempenho
4 – Pode até ser bom no 0 a 100, mas no resto deixa a desejar. E nem é a
proposta mesmo.
Câmbio
9 – É um bom automático de seis marchas em relação a suavidade e rapidez nas
trocas. Os problemas ficam nas marchas muito longas (especialmente 3ª, 4ª e 5ª)
e na ausência da possibilidade de trocas manuais por borboletas ou mesmo na
alavanca (que essa história de botão não serve).
Freios
9 – Lidam bem com o peso do carro. A modulação do pedal é boa, as pinças mordem
bem os discos e passam segurança.
Suspensão
1 – Se aqui descemos a lenha no eixo de torção, o que dizer de um eixo rígido?
Ainda mais porcamente calibrado, tudo duro.
Estabilidade
3 – A suspensão, apesar de dura, lida mal com o peso do carro. Não inspira
confiança em curvas de alta por exemplo. A rigidez torcional é boa para um
carro sem capota rígida.
Segurança
passiva 8 – Air bags frontais e laterais, tá bom.
Custo-benefício
10 – Nos Estados Unidos, custa o equivalente a um misto quente e um suco de
laranja. Existem carros melhores pelo preço, mas nenhum com este carisma. E
conversível, ainda por cima. O benefício aqui não está exatamente no
desempenho, quantidade de equipamentos ou engenharia refinada – está em passear
de capota abaixada pilotando um mito.
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