Teste comparativo: Toyota Camry 3.5 V6 x Toyota Hilux SW4 4.0 V6
Fato é: na hora de comprar, o que decide é a grana no bolso, e não necessariamente a categoria do carro.
E, com a grana no bolso, o consumidor tem optado pelos SUVs. É só olhar em volta para perceber como as ruas estão saturadas com CR-V, RAV4, Captiva, Tiguan, Freelander, Pajeros, ASXs, Outlanders, Santa Fes, Tucsons e todo tipo de SUV que se vende por aí. Os utilitários esportivos substituíram os peruas e sedãs grandes no gosto do consumidor brasileiro endinheirado, aliando espaço interno e porta-malas a uma posição de dirigir mais elevada, apreciada por muitos, e um porta avantajado que ajuda a circular pela buraqueira que é a regra em nossas cidades.
Então aproveitamos a oportunidade para escolher um representante da família dos sedãs e um da família dos SUVs dentro da mesma marca, para definir os parâmetros que um e outro atendem melhor. Ficamos com dois Toyotas de bons motores de seis cilindros: o sedã grande Camry e a SUV Hilux. E ambos custam a mesma coisa: R$ 150 mil.
No Brasil o Camry é figurinha difícil. Nos EUA é praticamente o Fusca local, um dos carros mais vendidos há muitos anos. Talvez até mais que o Corolla, o Camry resume a filosofia Toyota de fazer excelentes transportadores de gente do ponto A ao ponto B (com notáveis exceções, como Celica, Supra, etc). O Camry é um Corolla grande, da mesma forma que o Passat é um Jetta grande. É tudo o que o americano quer: um carro grande, espaçoso, confortável, e que nunca vai deixá-lo na mão.
A Hilux transporta essa filosofia para os utilitários, deixando de lado uma suposta robustez para oferecer um transporte altamente civilizado de um ponto a outro, com conforto e uma caixa de reduções à frente da alavanca de câmbio caso isso se faça necessário.
E isso se reflete no design: nenhum dos dois é feio e nenhum é bonito: ambos são agradáveis o suficiente para a maioria, e misturam-se com a multidão.
Por dentro a coisa muda. A cabine da Hilux é agradável com o revestimento caramelo em bonita combinação com o painel, e mostra bons encaixes na construção. Já os materiais não são tudo isso: à parte o couro, o plástico é rígido no painel e nas portas, sendo pior que o Corolla neste aspecto. Aliás é um ambiente bem parecido com esse sedã, inclusive na disposição e grafismo do painel.
Em comparação, o Camry parece de outro mundo. Plástico agradável em todo lugar, bancos em couro que são verdadeiras poltronas, , além de apliques de madeira no volante, portas e painel.
Já a lista de equipamentos é bem parecida: regulagem elétrica do banco do motorista, ar digital (bi-zone e com purificação do ar no Camry), trio elétrico com rebatimento externo dos retrovisores, regulagem de distância e altura do volante (a Hilux fica devendo a distância), controlador de velocidade, sistema de som com leitura MP3 e capacidade para 6 discos e air bag duplo. O Camry adiciona à lista itens importantes, como acionamento automático dos faróis e do limpador de para-brisa, teto solar elétrico e air bags laterais e de cortina. A direção é hidráulica em ambos, com bom peso em qualquer velocidade – um sistema elétrico (como no Corolla), permitiria peso ainda menor em manobras.
O espaço interno do Camry é digno de carro grande: ocupantes altos podem acomoder-se à frente e atrás sem grandes dificuldades – em termos puramente de espaço, pode-se dizer até que não há necessidade de carro maior... A Hilux é igualmente ampla atrás, com um espaço ainda maior para a cabeça e saídas de ar no teto para melhor difusão do ar condicionado.
Se até aqui o Camry mostrou os dentes em sua especialidade, levar pessoas com conforto, a Hilux rosna de volta com a sua especialidade, que é encarar terreno ruim. E aqui a tradição Toyota de carros 4x4 de verdade se faz aparecer na robusta alavanca à frente da caixa de câmbio que comanda a tração normal (40/60), H (50/50) e LL (50/50 com reduzida). Aliando-se aos bons ângulos de ataque e saída, temos na Hilux uma ótima aliada para enfrentar estradas de terra mesmo enlameadas. Não enfrentamos lama no teste de terra, mas em todos os desafios de galgar rampas e ondulações a Hilux saiu-se muito bem.
Quem empurra as duas toneladas da SUV é um respetável V6 4.0, 24v, com 238 cv a 5200 rpm e 38,3 m.kgf de torque a 3800 rpm. É um motor muito suave, mas que se faz ouvir em altas rotações – mais por conta de um tratamento acústico deficiente. O ofício de empurrar o carro é feito com vigor, e as acelerações em linha reta chegam a empolgar. Em velocidades mais altas, no entanto, o alto peso da Hilux se faz notar e o câmbio recorre a até duas reduções em casos de demanda de potência.
O motor do Camry é parecido: V6 3.5, 24v, 284 cv a 6200 rpm e 35,3 m.kgf a 4700 rpm. Nota-se a potência bem maior (quase 50 cv) e o torque ligeiramente menor, em rotação mais alta. É uma calibração diferente, para um uso diferente.
Se na Hilux o V6 já sobra, no Camry chega a empolgar. Apesar do jeitão pacato, é um sedã capaz de superar 230 km/h e acelerar de 0 a 100 em 7,4s. Há muita potência à disposição do pé direito, sempre. Numa condução normal, o giro pouco se eleva acima dos 2 mil rpm, e mesmo quando solicitado o câmbio reduz uma marca e entrega potência a 3 mil. Quando realmente exigido, aí o kick down eleva as rotações do motor de verdade e o Camry transforma-se num bólido em total contraste com toda aquela madeira do interior.
O câmbio é automático de cinco marchas na Hilux, com opção de trocas na alavanca (mas não no esquema + e -, e sim pelo trilho que limita o câmbio à quarta, terceira e segunda marchas, além da posição L). O Camry vem com um automático de seis marchas e trocas tradicionais na alavanca. Ambos são muito suaves, rápidos, precisos e permitem baixas rotações em estrada, para grande silêncio de viagem. A marcha extra do Camry não chega a se fazer notar em termos de performance superior.
Ambos são convincentes em frenagens: o Camry é mais, pelo peso menor. A Hilux é competente, mas nota-se que parar duas toneladas não é tarefa das mais fáceis, ainda mais com um V6 contribuindo para a aceleração. Ambos os pedais têm boa modulação.
A suspensão é um ponto de grande divergência – óbvio. O Camry usa sistema McPherson independente na frente e atrás e sua calibração é excelente: um dos melhores carros já testados em termos de absorção de impactos. Ele transforma qualquer rua em asfalto liso. Pode não ser tão estável em alta velocidade, mas mesmo assim seu limite é alto e muito superior ao recomendável em qualquer via pública.
A Hilux é um utilitário, com construção em chassi separado (pior espaço interno, pior rigidez torcional, mais robustez), com suspensão dianteira por braços sobrepostos e atrás com eixo rígido – o mesmo encontrado em carroças. A Hilux deixa claro que uma de suas missões é encarar terreno acidentado, e aí torna-se justificável o arranjo escolhido pela Toyota. Em uso leve, o preço é cobrado: ao mesmo tempo em que a calibração da suspensão é mais para o macio, os impactos são fortemente sentidos na cabine. Há pouca precisão direcional e mesmo a tração é prejudicada.
Custando ambos ao redor de R$ 150 mil, qual a conclusão que podemos chegar?
A primeira, e óbvia, é que ambos são muito caros. Se o Camry ainda é penalizado pela produção japonesa, a Hilux é feita na Argentina e não há custo de produção que justifique este preço. Ambos possuem concorrentes muito válidos significativamente mais baratos: para o Camry, o Fusion V6 e o novo Passat 2.0 Turbo são mais interessantes. No caso da Hilux, de concorrência mais difícil, podemos pensar na Hyundai Santa Fe e nos Mitsubishi Outlander e Pajero.
A segunda é que, da mesma forma que um motor flex não é tão eficiente usando gasolina quanto um motor destinado exclusivamente a este combustível, e a mesma coisa com etanol, é impossível obter um compromisso entre asfalto e terra que seja excelente nos dois. A Hilux é um esforço impressionante: um carro capaz de ir até o Polo Norte (conforme demonstrado pelo Top Gear) e que entrega atributos de conforto e conveniência muito interessantes. Comparada a um carro destinado a este fim, no entanto, a Hilux deixa claro como ainda está muito atrás do que um sedã da categoria pode oferecer.
Por outro lado, levar um Camry até o Polo Norte, com seus mais de 250 cv e tração dianteira, não seria uma boa ideia.
Assim, prova-se mais uma vez que o consumidor precisa ter claro na mente qual é a necessidade que precisa atender. Um uso fora de estrada forte pede um SUV, que no entanto não entrega o mesmo nível de conforto, equipamentos, acabamento e refinamento de um carro da mesma categoria.
Sabendo-se que, de forma geral, os carros no Brasil têm suspensões reforçadas, é o caso de se avaliar bem se aqueles 500 metros de terra bem batida da estrada até o sítio são mesmo o caso de sacrificar o conforto nos outros 99% do tempo. Quanto a enfrentar os buracos da cidade, nem comento: com exceção de crateras que não são a regra, qualquer carro homologado para o Brasil tem totais condições de passar em asfalto irregular e valetas.
Notas separadas:
Camry:
Estilo 4 – Existem os carros medianos, nem bonitos nem feios porém interessantes, como o novo Passat, e existem os nem bonitos e nem feios e completamente sem graça como o Camry. Não tem um detalhe que chame a atenção.
Imagem – Carro senhorial, para gente com mais idade e que não gosta de carro. É o Corolla de quem tem grana.
Acabamento 10 – A nota deveria ser uns 18. Acabamento impecável, encaixes perfeitos, ótimos materiais. O uso de madeira no interior é questionável, mas tem seus adeptos.
Posição de dirigir 10 – Ajustes elétricos e amplos favorecem todos os tipos físicos de motorista.
Instrumentos 8 – Painel completo, com bom computador de bordo bem visível. Perde pontos pois o computador poderia trazer mais recursos e o desenho do cluster é de um conservadorismo atroz.
Itens de conveniência 9 – Muito completo, com aquecimento de bancos, teto solar e ausências absurdas, como travamento das portas ao rodar e sensores de estacionamento.
Espaço interno 10 – Gigante na frente, atrás, dos lados, para as pernas, para a cabeça – é muito difícil alguém ficar mal acomodado.
Porta-malas 5 – Boa capacidade, superior a 500 litros, e bom revestimento. Mas dobradiça pescoço de ganso amassando as malas não tem a menor condição num carro desse valor.
Motor 10 – O motor é suave, silencioso, com torque e potência ambundantes, gosta de girar e é econômico para seu porte. É tão bom que a Lotus usa. Falta um pouquinho mais de ronco para quem gosta, mas não é o público do carro.
Desempenho 10 – O Camry ignora o peso e é incrivelmente ágil, com marcas de desempenho dignas de carro esporte.
Câmbio 8 – Seis marchas, operações suaves e trocas comandadas pela alavanca. A ausência de aletas atrás do volante e dupla embreagem tira pontos.
Freios 9 – ABS, EBD, diversas letrinhas e discos nas quatro rodas. Mesmo com tudo isso, não é a melhor frenagem do mundo, mas convence.
Suspensão 10 – Conceito moderno e inovador, com McPherson à frente e atrás, e uma calibração sensacional, que ignora imperfeições e ainda não é intolerante com uma tocada rápida.
Estabilidade 6 – Não é o forte do carro, mas a suspensão não se faz de rogada e entrega atitudes interessantes.
Segurança passiva 9 – Vem com os seis airbags de praxe nessa faixa de preço, e que deveriam ser de praxe em carros bem mais baratos.
Custo-benefício 0 – A R$ 150 mil, o Camry enfrenta concorrentes que custam CINQUENTA MIL reais a menos – não é à toa que é tão difícil achar um nas ruas. É um carrão, mas existem carrões tão bons quanto menos caros.
Hilux:
Estilo 4 – Não que seja bonita, mas a Hilux poderia ser bem mais feia do que é.
Imagem – Tem um pouco daquela atitude todo-terreno típica dos SUVs, mas daí a dizer que é um carro jovem é forçar a barra.
Acabamento 3 – Pelo preço, deveria entregar mais. Os encaixes são bons e a combinação de cores, bege claro e escuro, agrada. Mas os materiais são bem rígidos.
Posição de dirigir 8 – Amplos ajustes satisfazem diversos tipos de motorista, mas a falta de regulagem de distância do volante a essa altura do campeonato é vergonhosa.
Instrumentos 8 – Painel igualmente completo, com boa iluminação constante Optitron em branco. Mais bonito que o do Camry, mas igualmente pouco inspirado.
Itens de conveniência 7 – Bem completo – a lista de equipamentos não fez feio em comparação ao Camry, e isso é um grande elogio. Ainda assim, fica devendo itens como teto solar e ar bi-zone.
Espaço interno 10 – A acomodação é ótima tanto à frente quanto atrás, com amplo espaço. Não testamos a terceira fileira de bancos, que estava ausente da unidade avaliada.
Porta-malas 10 – O compartimento nem é tão fundo assim, mas é alto. Dá pra colocar diversas malas em pé. A bagagem de quatro ou cinco pessoas cabe sem dificuldade. O revestimento é completo.
Motor 10 – A calibração para torque faz com que dificilmente precisemos de altos giros, situação na qual o motor urra e empurra a Hilux com força. Na condição normal, mal se consegue ouvi-lo. A unidade é moderna, potente, mas empurrando 2 toneladas não teria como ser econômica.
Desempenho 8 – É um carro alto e pesado, o que cobra seu preço. Tomando o devido cuidado, a Hilux surpreende nas acelerações e retomadas.
Câmbio 7 – Cinco marchas e uma operação bastante suave e decidida. É possível subir e descer marchas pelo curso da alavanca, mas não há opção de troca sequencial.
Freios 6 – Tambor na traseira? A Toyota tem dessas. A Hilux imobiliza bem as duas toneladas, mas que podia ser melhor, bem que podia.
Suspensão 5 – O eixo rígido atrás vem com a configuração típica: um carro duro para aguentar o fora de estrada, transmitindo diversas imperfeições à cabine. Falta refinamento.
Estabilidade 2 – Aqui não, tente um Porsche.
Segurança passiva 9 – Air bags frontais, laterais e de cortina. E duas toneladas.
Custo-benefício 0 – Assim como o Camry, a Hilux é muito cara. Por menos grana é possível comprar Ford Edge, Hyundai Santa Fe e Land Rover Freelander, para ficar somente nos SUVs. Sem pagar imposto de importação, a Hilux estaria bem melhor custando 20-30 mil reais a menos.
Agradecimentos ao Best Cars Web Site pelas fotos.
Comentários
Concordo em tudo.
O Camry não é importado dos EUA, mas do Japão. Inclusive existem algumas diferenças do US-Spec para o JDM-Spec, o nosso é JDM-Spec.
É um carro bom (conheço-o muito bem, pois meu tio é proprietário de um modelo 2008), mas que deixa muito a desejar pelo preço pago. Deveria custar na faixa dos R$ 80-100 mil reais, assim como seus concorrentes diretos (Fusion e Malibu). O Hilux SW4, nem se fala...
Eu te digo: exceto o Nissan Sentra -que tem uma suspensão do tipo "pato" (não vai bem na água e nem na terra)a do Sentra é muito dura sem dar boa estabilidade: fail total (e a Nissan "finge" que está tudo em ordem...queria saber quem foi o energúmeno que estragou um carro que seria muito bom, não fose isso!)
Tem razão, vamos trocar. Valeu!
Poxa, dirigi bastante o Sentra e achei a suspensão bastante razoável, ao contrário que sempre leio... ainda não é a ideal, mas tem boa estabilidade em estrada/cidade. É realmente meio dura, mas nem tanto assim. O Astra que uso diariamente é mais duro, o mesmo digo em relação ao Jetta. Civic, nem se fala.
Abs
Marcos_Tony