Teste: Jaguar XF 3.0 V6
No M4R, temos saudades dos temos em que marcas e mesmo países deixavam claro suas tradições nos carros que fabricavam. A mudança mais radical talvez tenha sido da Cadillac, que por décadas foi sinônimo de carros grandes, largos, macios e equipados, empurrados por grandes motores V8. Hoje a linha Caddy está cheia de esportivos, carros aperfeiçoados em Nürburgring, downsizing espremendo os V8 cada vez mais, e por aí vai. Tem a Porsche enchendo a linha de SUVs – caminho trilhado também por Lamborghini e Maserati -, e o carro mais fascinante do mundo, Bugatti Veyron, é produzido pelo conglomerado capitaneado pela marca do “carro do povo”.
Não
cabe discutir estas decisões mercadológicas, que têm se revelado bastante
acertadas. No final das contas, é preferível uma Porsche viva, que use o
Cayenne para subsidiar a próxima geração do 911, do que ela fechada e relegada
ao passado. Ou como a Alfa Romeo, cuja mística é tão grande que empresas como
Zagato (TZ23) e Touring (Disco Volante) constroem carros magníficos em suas
plataformas, mas que de verdade só produz dois hatches sem graça.
Nesta
linha de cada empresa ou país ter a sua personalidade, cabia à Jaguar aliar
esportividade ao luxo e acabamento ingleses, num patamar acessível. Em questão
de pura e simples representação do luxo inglês, não é possível superar a
Rolls-Royce. A Aston Martin cavou seu nicho casando alto luxo com
esportividade. E a Jaguar sempre foi a especialista em fazer isto a um preço
acessível. O XK120 e o E-Type, talvez os mais expressivos representantes d
alinhagem, eram grandes esportivos dentre os mais rápidos de sua era, e que
podiam serem comprados pelo reles mortal, custando menos de 20% do preço de uma
Ferrari contemporânea. Aos sedãs cabia representar esta personalidade, só que
com quatro portas e porta-malas.
Fica
difícil falar em características intrínsecas da Jaguar no período negro dos
anos 70 até os 2000, nos quais a empresa passou por diversos donos diferentes e
a preocupação estava mais em pagar os empregados do que propriamente fazer
grandes carros. Méritos à Ford, que colocou esta inglesa de pé, associou-a à
Land Rover, para sinergia, redução de custos e nenhuma canibalização entre as
linhas de produtos, e depois da casa arrumada vendeu tudo aos indianos da Tata,
numa operação que honestamente não fez sentido.
A
origem do XF é portanto Ford, baseado na plataforma DEW98 da americana, e
assumido as is pela Tata, que comprou
a divisão no mesmo ano de lançamento do XF, 2008. Estava na melhor fase dos
projetos Ford na Jaguar, o que é bom de partida.
Na
linha Jaguar o XF é o cachorro de briga, o modelo de entrada e de volume de
vendas. Acima existe o XJ, de luxo, e os esportivos F-Type e XK. Neste tipo de
carro não se pode errar (exemplo máximo é a BMW, que ousou no design da série 7
com aquele porta-malas bizarro, mas a série 3 da época Chris Bangle era bem
conservadora. Com carro de briga não se brinca).
Na
linha dos grandes sedãs europeus, o XF luta com Série 5 e Classe E, portanto só
com gente grande. E a abordagem Jaguar para lutar com os alemães remete
justamente ao que tornou a empresa famosa: esportividade e refinamento por um
preço justo. Na Europa ao menos é assim: os Jaguares são ligeiramente mais baratos
que os alemães da mesma categoria – e, ao menos no caso do XF, são mais bonitos
e mais luxuosos.
Vamos
ao XF testado. É claramente um dos sedãs mais bonitos da produção mundial,
fugindo da mesmice das alemãs, que parecem presas no conservadorismo. Também
não é apelativo como um coreano (ou o próprio XJ). É bonito e discreto, como se
espera de um Jaguar. E grande: quase 5 metros de comprimento, mais de 2 de
largura e entre-eixos de 2,9m.
Tamanho
esse que surpreendentemente não se revela no espaço interno. É o preço que se
paga pelo design quase-cupê, e explica um pouco o conservadorismo alemão: pois
nos Audi/BMW/Mercedes equivalentes leva-se cinco pessoas com conforto. No
Jaguar, não. Ocupantes atrás, só dois e com menos de 1,75m, e isso considerando
gente não muito alta na frente. Motoristas com mais de 1,85m inviabilizam
completamente o espaço atrás. Este é talvez o ponto mais fraco do carro.
Em
compensação, quem conseguir se apertar lá dentro vai se sentir o Sultão de
Brunei. É um acabamento que não encontra paralelo na categoria. Bem-feitos
todos são, mas o Jaguar traz como novidade a dose extra de refino e luxo que é
tão familiar aos carros ingleses. O couro dos bancos dá vontade de arrancar e
colocar no travesseiro. O carpete que reveste a área dos pés faz inveja a muito
tapete felpudo por aí. Mas o melhor é o forro do teto: macio demais, felpudo,
dá vontade de virar o carro de ponta-cabeça e dormir nele. Desnecessário dizer
que os outros itens de acabamento, como alavancas e botões, têm a resistência e
acionamento na medida certa. E charmes, como a alavanca giratória do câmbio,
que sobe para ser acionada; o botão para ligar o motor, cuja iluminação pulsa
como um coração; e as saídas de ar que fecham ao desligar o carro – ok, esse
achamos um pouco “over” mesmo. De todo modo, o banco do motorista desse Jaguar
é um lugar especial, que faz o motorista se sentir especial. Claramente não é
um meio de transporte de A para B: é uma máquina dedicada a levar um sorriso e
orgulho ao dono.E olha que é o modelo de entrada...
A posição de dirigir é excelente, com o volante sempre à mão, os paddle shifts de acionamento fácil e múltiplas regulagens elétricas no banco, com duas memórias. No teste, foi difícil a adaptação ao pedal de freio – foi preciso trazer o pé direito mais para dentro do que o usual, causando uma torção desconfortável na perna – algo que só foi sentido por nós e portanto imaginamos que seria resolvido com ajustes mais finos do banco. Vale notar, no entanto, que não sentimos isso em nenhum outro carro. A visibilidade externa é boa pelos retrovisores e as manobras para trás são ajudadas pela câmera de ré com boa visualização. O cluster é elegante e bem iluminado, com ótima resolução tanto da tela ali quando no painel, mas os números do velocímetro podiam ser maiores – sempre um desafio quando o final da escala é 300 km/h!
A
lista de equipamentos é aquela coisa obscena que já se espera de um Jaguar (e
de qualquer carro que custe R$ 305 mil): inclui piloto automático, banco do
motorista e passageiro com regulagem elétrica e duas memórias (que incluem o
volante, também ajustável eletricamente), teto solar, ar bizona, GPS,
retrovisor fotocrômico, som premium com 11 alto-falantes e subwoofer, sensor de
luz e chuva, computador de bordo, aviso de pressão nos pneus, sensor de
estacionamento na frente, luz diurna, faróis de xenônio com lavador e sistema
que comuta sozinho entre alto e baixo,controle de tração, estabilidade, ABS,
EBD, oito air bags, sistema stop-start, aquecimento nos bancos da frente, chave
com sensor de presença, retrovisores externos rebatíveis eletricamente e com
sensor de ponto cego, rodas aro 20, ou seja, um monte de coisas. Um item só faz
falta: o controle de cruzeiro adaptativo, aquele que freia e acelera conforme o
carro da frente.
Empurrando
a máquina está um V6 aspirado de 240 cv e 29,8 m.kgf de torque, o que não soa
muito diante dos bons 4 cilindros turbo. A própria Jaguar oferece, mais barato,
o XF com o mesmo 2.0 turbo do Fusion de números muito parecidos com esse. Onde
o V6 ganha com facilidade é no ronco, que nenhum quatro cilindros iguala –
embora o XF seja tão silencioso que só se ouve o motor dele quando provocado.
No
dia a dia é potência mais do que suficiente para lançar o carro à frente nos
semáforos e garantir folga de potência nas ultrapassagens, mesmo o carro não
sendo leve: cerca de 1700 kg. Não deixa de ser decepcionante, no entanto, notar
que este Jaguar de 300 mil pode ser deixado para trás por um Fusion de UM TERÇO
do preço. Os números da Jaguar são bons: 0 a 100 km/h em 8,3s e máxima limitada
em 250 km/h.
Ajudando
o motor está o que talvez seja o melhor câmbio automático da atualidade, que é
o ZF de oito marchas. No uso normal ele se comporta quase como um CVT, pois as
trocas são imperceptíveis e o giro do motor fica baixo o tempo todo. Na demanda
de potência, ele pode reduzir três marchas e chamar a cavalaria rapidamente, ao
mesmo tempo em que troca as marchas em alto giro e não fica aquela sensação de
motorzinho de dentista do CVT. Ao colocar em manual, as oito marchas aparecem
no display digital do cluster e dão um toque bacana de esportividade.
O
sistema stop-start é ridículo. Funciona bem, mal se percebe, e entendemos a
necessidade dele numa Europa cada vez mais preocupada com emissões de CO2. Mas
não faz sentido num carro desse preço e luxo no Brasil. Quer economizar compra
um Gol e roda no etanol, vai ser muito melhor do que qualquer start-stop por
aí.
A
suspensão aparenta ser sólida, independente por braços duplos na frente e
multilink atrás. O nível de conforto é surpreendentemente bom – sem dúvida com
ajuda do banco -, mas a estabilidade não deixa a desejar. O carro só não
esconde os seus 1700 kg – eles estão lá, tornando os movimentos rápidos mais
difíceis. Há esportividade sim neste Jaguar, mas se dirigir rápido for critério
fundamental, aí fica difícil competir com as BMWs.
Tudo
combinado, dirigir um Jaguar (ainda que a versão “de entrada”) é uma
experiência sensorial muito prazerosa. Em primeiro lugar há o refinamento e o
bom gosto de um acabamento espetacular. Depois, o design diferenciado. Exista
ainda a sofisticação mecânica de uma suspensão bem calibrada e de um câmbio
irrepreensível. O motor poderia ser melhor, é verdade, mas dá boa conta do
recado. E há aquela sensação de superioridade que só os carros ingleses trazem,
e que o Top Gear define muito bem quando diz que “o fulano acha que pode tudo
porque afinal de contas ele dirige um Jaaaag”.
Olha-se para Audis, BMWs e Mercedes com indiferença: “eu escolhi um inglês. Eu
não faço parte da manada”.
Só
que tudo isso acaba quando um vagabundo aponta uma arma para você e pede o
carro, ou faz um sequestro relâmpago. Essa talvez tenha sido a sensação mais
frequente ao dirigir o XJ à noite pelas ruas de São Paulo. Cada motoqueiro que
passava dava frio na barriga. Semáforos requeriam cuidado especial. Não
aconteceu nada, e sabemos que a impressão
de violência é muito maior do que a violência em si – mas não tem como ser
discreto num carro desse tamanho (e aí tanto faz se fosse alemão, americano ou
inglês). Por mais prazeroso e sensorial que o XF seja, não tem como a Jaguar
melhorar a segurança nas ruas. E, nesse contexto, fica difícil ter um carro
assim.
Estilo 10 – É um sedã grande bonito e que não parece um BMW. Ganha muitos pontos.
Imagem
– É carro de homens com boa dose de cabelos brancos. Molecada não tá trocando
Camaro Amarelo por Jaguar branco não (mas deveria).
Acabamento
11 – O forro do teto é mais macio que um travesseiro de hotel cinco estrelas.
Posição
de dirigir 9 – Regulagens elétricas de banco e volante tornam fácil encontrar
uma posição boa. Vamos ignorar o incômodo com o freio que passamos.
Instrumentos
8 – A tela colorida é bonita, mas o painel como um todo é antiquado. Temos
preguiça com velocímetros que marcam 400 km/h e aí a faixa de 0 a 100, que você
usa o tempo todo, ocupa 20% da escala.
Itens
de conveniência 7 – Faltam itens presentes em plataformas modernas, como o
piloto automático adaptativo em distância do Golf.
Espaço
interno 4 – Claro que é ótimo na frente, mas não deixa de surpreender que um
carro de 5 metros de comprimento não consiga levar pessoas atrás.
Porta-malas
8 – Volume adequado e acabamento digno de Jaguar.
Motor
9 – O downsizing vai deixar saudades de algumas coisas, e o ronco de motores
com mais de 4 cilindros é uma delas. Este V6 ronca bonito e gosta de girar, ao
mesmo tempo em que entrega bom torque no uso civilizado.
Desempenho
8 – Um carro pesado, porém bem forte. Diversão garantida em acelerações.
Câmbio
10 – É o estado da arte esse ZF de oito marchas. Há comandos na alavanca e nas
aletas atrás do volante para comandos manuais.
Freios
10 – Ótimo serviço de frear a massa com segurança, rapidez e modularidade no
pedal.
Suspensão
10 – Confortável, silenciosa e ao mesmo tempo firme, mantendo a compostura
quando se joga o Jaguar em curvas. Parabéns à equipe de calibração.
Estabilidade
9 – Um daqueles carros que parece mais leve quando se toca forte. Não é um hot
hatch, mas não vai decepcionar na estradinha vicinal.
Segurança
passiva 10 – Sistemas de praxe em profusão, assim como os air bags necessários.
Custo-benefício
5 – Não se compra Jaguar pelo custo-benefício. O Fusion seria a opção. Mas qual
o preço de se estar numa marca com essa história, e um produto com esse
refinamento, mantendo o nariz empinado para as BMWs dos reles mortais? E
principalmente: você se sente seguro da bandidagem num carro desses?
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