Uma questão de nível

Em termos financeiros, você nasceu mazomenos. Estudou em escolas privadas, mas não as mais caras, ralou, entrou numa universidade particular, os pais pagaram uma parte, você começou a estagiar, aí se formou e começou a trabalhar de verdade. Ralou, ralou, ralou, fez boas escolhas, não foi vítima de crises na bolsa e agora, em algum lugar entre os 40 e 50 anos, você chegou lá. Fanático por carros desde pequeno, está na hora de comprar seu sonho de consumo. A casa está linda, montada, os filhos numa boa escola ou faculdade, todos viajaram juntos recentemente. Agora estamos falando de garagem. Consciente, escolheu um carro absolutamente magnífico: BMW série 3.

Em termos financeiros, você nasceu bombando. Faltam adjetivos. Só os rendimentos das aplicações do seu pai equivalem ao PIB de uma cidade pequena. A empresa da família vai de vento em popa. A mãe veio de uma família não menos abastada, dona de contas bancárias tão impressionantes quanto a quantidade de sobrenomes. Ao fazer dezoito anos, nada como um carro para coroar os anos de “esforço” numa escola top de linha, dessas que infelizmente confundem alunos com clientes. O pai é sensato: nada de superesportivos. O melhor é um carro seguro, de bom desempenho. BMW Série 3.

São o mesmo carro? Mecanicamente, sim. No trato, não. Para um, é o ápice de uma jornada que começou a pé, passou por ônibus, pelo carro “popular”, pelo 1,0 equipado, depois um motor mais forte, depois um médio, depois um médio-grande. Para o outro, é o primeiro carro, algo que dali se deve, presumivelmente, subir. Ar-digital com zonas separadas, motor de 6 cilindros e 4 air-bags são tão básicos quanto pedais e volantes.

Sempre digo que uma coisa é ter um carro; outra é valorizá-lo. Claro que não se pode exigir que todos compartilhem desta paixão. Com certeza, as vezes que dormi vendo filmes deixariam qualquer cinéfilo furioso. Mas eu sei que eu não aprecio um filme da mesma maneira que um entendido, assim como um vinho e um carro.

Mas então não basta uma pessoa ser entendia e a outra não? É necessário haver diferença financeira? Sim. Começar a vida automobilística em uma BMW é anestesiar-se de saber como uma suspensão pode ser ruim, como um volante pode ser pesado e torto, como um câmbio pode recusar engates rápidos. Nesse ponto, me condeno por nunca ter dirigido um Supermini – embora já tenha brincado de guiar um trator.

Paralelo desnecessário com a Copa do Mundo: todos os jogadores da seleção brasileira, sem exceção, têm origem significativamente mais humilde que o padrão de vida que têm hoje. Quem lhes deu isso não foi a beleza, mas sim o talento e a competência para jogar futebol. Habilidades desenvolvidas jogando na rua, em várzeas, crescendo num país amante ao futebol.

Em 94, o país estava carente de títulos, e não de futebol bonito. Jogamos feio e ganhamos uma copa inesquecível. Hoje, um hexacampeonato soa até exagero diante dos times tricampeões. Não é que não queremos mais títulos; mas não precisamos deles para mostrar nossa superioridade no futebol. Precisamos é jogar bonito. E isso, até agora, os jogadores não mostraram. Justo eles, com sua origem humilde que, tal qual o caso da BMW, deveriam saber valorizar tudo o que o futebol fez por eles e, por isso mesmo, não se entregar a casos de marketing, mas sim ao bom futebol. Isso, no caso do Fofômeno, significa ter a humildade de saber quando quem garante sua escalação é a Nike e não mais o seu futebol.

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