Vou de táxi, alugado...
Interessante este dado: 30% das
vendas de automóveis e comerciais leves em 2022 foram para locadoras: 590 mil
carros dos 1,954 milhão produzidos.
A primeira coisa necessária para entendermos fatia tão significativa é que aquele aluguel de carro do imaginário coletivo, “vou passar uma semana em Itapipoca e precisarei de um carro alugado para me deslocar” já não compõe a rentabilidade principal das locadoras há muito tempo. A economia brasileira não está pujante a ponto de ter um aumento brutal de viagens em território nacional que justifique essa enormidade de carros.
Segunda consideração é o gargalo na produção de novos durante 2020 e 2021, por conta da falta de planejamento e ganância absurda das fabricantes em cima de seus fornecedores de componentes eletrônicos (nota importante: não caia na falácia de “falta de componentes”; as indústrias que remuneravam adequadamente e não espremiam seus fornecedores tiveram seus componentes eletrônicos entregues certinho. Assim como “excesso de veículos” é uma mentira deslavada, o que existe é falta de infraestrutura). Essa redução da oferta levou as locadoras a manterem os carros por mais tempo que o desejável, e agora estão partindo para a renovação da frota.
Terceiro ponto é notar como o modelo de negócio de carro alugado pra Uber se tornou prevalente. A ideia inicial do Uber, pensada para países desenvolvidos em especial os EUA, era uma pessoa utilizar o próprio carro em momentos ociosos para complementar a renda, ou até mesmo durante períodos de desemprego. Aí esse modelo chega num país paupérrimo como o Brasil e se torna uma alternativa viável de emprego, chegando a pagar mais que muitas ocupações formais até. Só que a pessoa nesse patamar não tem carro, ou tem um já mais velho, então dedica parte da renda recebida a pagar o aluguel de um carro para poder trabalhar como motorista – com a vantagem de não se preocupar com desgaste e manutenção do veículo, que é bem pesada pra quem mora em cidades que só recapeiam as mesmas 5 avenidas, como São Paulo, enquanto o resto das ruas não vê asfalto novo há 70 anos.
Quarto ponto, com baixo impacto no volume mas representatividade importante nos carros de maior valor agregado, é a unificação dos modelos de gestão de frota e oferta de carro como benefício em empresas. Se antes havia uma prevalência do modelo no qual a empresa comprava o carro e fazia a gestão da frota internamente, oferecendo a possibilidade de compra do carro benefício por um valor residual ao final de um período de 3-4 anos, hoje o modelo é terceirizar tudo, com a locadora fazendo manutenção e oferecendo os carros novos, inclusive se valendo dos melhores descontos que conseguir.
Quinto ponto é a redução do preconceito com carro usado de locadora. É sabido que a principal fonte de renda das locadoras hoje é com a venda dos usados, que são comprados com isenção de impostos e generosos descontos por parte dos fabricantes, e depois revendidos “a preço FIPE”. Se antes havia um forte preconceito, por serem carros que teoricamente foram abusados pelas pessoas que os alugaram, hoje isso reduziu muito não por uma mudança no perfil de quem aluga, mas sim por pura necessidade: o brasileiro é forçado a migrar dos novos para os usados, por falta de renda e possibilidades de financiamento, e aí na hora de escolher um bom exemplar os revendidos por locadoras saltam aos olhos, muitas vezes com baixa quilometragem, revisões em dia, e modelos e cores desejados. No caso de carros mais caros, muitas vezes eram carros benefício de empresas como mencionado acima, com um único usuário(a), o que aumenta as chances do carro ter sido bem cuidado.
Essa prevalência das locadoras explica algumas coisas, como a monotonia das cores em tons de cinza, pela revenda mais fácil, e também de algumas versões e pacotes de equipamentos serem tão prevalentes em alguns modelos.
Não temos nada contra as locadoras e desejamos sucesso; mas bom mesmo seria termos uma população com poder aquisitivo relevante para comprar no varejo os carros que bem quisesse, com uma ampla oferta de modelos, cores e motorizações.
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