Pobre não anda de carro

 

A primeira coisa que precisamos entender é que o Brasil é um país pobre. Sim, também é um caso de riqueza mal distribuída, mas mesmo que pegando o PIB e dividindo por habitante daria algo como R$ 3.500 por mês. Com a má distribuição, temos uma renda média de R$ 2.700 por habitante, e sendo que 90% dos brasileiros ganham menos de R$ 3.500 por mês.

País pobre não anda de carro, anda de moto. Vide Índia, sudeste asiático, mesmo China. A frota de motos no Brasil ainda vai crescer muito.

A segunda coisa é que os carros estão ficando cada vez mais caros por uma série de motivos. Entre eles, estão:

- A demanda por segurança. Hoje o carro precisa tirar cinco estrelas no LatiNCAP e proteger os ocupantes no caso da Lua despencar do céu e cair em cima do automóvel. Isso demanda estudos, aço reforçado, estrutura, projeto, e tudo isso custa dinheiro.

- A demanda por equipamentos. Aqui é um pouco o dilema de Tostines. A pessoa que consegue juntar um suado dinheiro pra comprar um caro quer mais é que ele seja completo, e como a discrepância entre renda e o preço dos carros é muito grande, o comprador quer “fazer valer” o dinheiro e por isso os carros de entrada já tem um monte de coisa de série: ar, direção, trio elétrico, e mesmo multimídia e assistentes de segurança.

- Não temos fabricante nacional. As fabricantes estrangeiras reportam para a matriz em dólares, e como nossa moeda não vale porra nenhuma, todo o faturamento delas é dividido por 5,2 (câmbio médio real/dólar de março de 2023) para chegar na matriz, ou seja, chega lá valendo nada. Isso obriga as empresas aqui a apertarem onde der pra aumentar o faturamento e o lucro, e isso inclui elevar o preço dos carros. Uma fabricante nacional, que medisse o lucro em reais e não fosse afetada pelo câmbio, com certeza teria mais flexibilidade e poderia ofertar carros a preços mais competitivos que por sua vez influenciariam toda a cadeia de preços.

(Notem que não escrevemos acima sobre taxa de câmbio competitiva, mais pareada com o dólar. Embora ajude, as fabricantes aproveitariam a maior parte para simplesmente aumentar seu lucro e isso pouco influenciaria nos preços).

- Acabou a vergonha de fechar fábricas e demitir todo mundo. Confessamos que aqui temos pouca visibilidade. A conta é mais ou menos assim: uma fábrica tem um custo para operar; esse custo é diluído pelos produtos que ela fabrica. Quanto mais produtos (e maior a margem desses produtos), mais rápida é a a amortização. Uma fábrica ociosa é péssima, pois os custos diminuem pouco e ela não está se pagando. Então onde a conta não fecha é como as fabricantes estão lidando com ociosidade em suas plantas e não estão lutando para aumentar produção (e aumentar vendas e baixar preço). Deve existir algum ponto de conforto em produção baixa mas que é suficiente para cobrir os custos de construção e operação da planta.

O resultado é termos um mercado de carros usados que é DEZ VEZES maior que o mercado de novos, e este é dominado por locadoras e vendas PJ.

Outro resultado é que ninguém arrisca mais. Todos os carros são iguais, tudo SUV compacto, todos com motores iguais, equipamentos iguais, ficando indistinguíveis. E nesse ponto aplaudimos de pé a ousadia da Hyundai com o design do Creta, ele é lindo só pelo fato de não ser mais do mesmo.

E todos custam o olho da cara. Os carros de entrada a 70k, qualquer carro com mais dignidade custa 100k, e quando você compara estes valores com a renda média do brasileiro percebe o tamanho do salto. É um pouco o mercado dos anos 70 e 80, carro zero era coisa de gente milionária, o povo comprava Fusca mesmo, e usado.

Aí qual a graça de falar sobre um mercado que na prática não existe? Estamos cansados aqui da punheta dos jornalistas automotivos que dedicam páginas e palavras e fotos trazendo teste de Jaguar, Range Rover, Porsche Cayenne, BMW X6, e vai ver se somar todos esses carros não venderam 5 mil unidades num ano, e com certeza muito poucos desses compradores se basearam no teste de uma publicação para comprar. Então fica aquela palhaçada que os únicos que se beneficiam são o próprio jornalista que fica uma semana com um carrão pagando de gostoso(a) e o assessor de imprensa da montadora que na avaliação definal de ano fala que conseguiu milhares de reais em mídia não paga pelo fato do carro ter aparecido na revista ou site XYZ.

E chegou num ponto tão crítico que até carros como Corolla estão se tornando inacessíveis. Inacessíveis e insossos.

Aí fica difícil né.

Comentários

Fabio Alexandre disse…
Lembrando que tais sites tem censura e não se pode falar mal de nenhum carro e/ou fabricante. Fabricantes nunca erram para esses sites. Impressionante.

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