Teste: Jeep Compass Longitude T270


Quem trabalha em empresa multinacional vai entender o que vamos falar agora. Na maioria dos casos, o Brasil é um país secundário na estratégia da empresa. As grandes vendas estão nos EUA, na China, na Europa. Além de um mercado menor, o Brasil tem uma moeda desvalorizada com relação ao dólar e ao euro, então por mais que a filial brasileira arrebente a boca do balão em vendas em reais (afinal faz negócios no Brasil), o resultado final é dividido por 5 ou por 6 para se chegar na conta em dólares ou euros que é o que importa para a matriz. Países com moedas fortes levam vantagem nesse sentido.

 

O Brasil é o lugar onde a Fiat mais vende carro. É quase o dobro da Itália e da Turquia, os países mais próximos. Ao contrário do que falamos acima, o Brasil é um país importante para a Fiat.

 

Mas nunca foi para a Ford. O que a Ford brasileira faturava de lucro em um ano, quando tinha, era nada se comparado aos rendimentos da Europa e principalmente EUA. Então a Ford Brasil sempre foi uma nota de rodapé para a Ford americana, dependendo de brasileiros competentes e engajados (como o Antônio Maciel Neto) para melhorarem os produtos e os resultados por aqui, e conquistarem vitórias como o Fusion, o Focus e o EcoSport.

 

Hoje poderíamos estar testando um EcoSport, ou um SUV superior a ele, embalado na esteira de seu sucesso, vendendo a rodo e gerando lucro. Mas a Ford, com sua atitude covarde, aos poucos de livrou dos brasileiros “incômodos” e encheu a gestão de gente que só via a hora de voltar para os EUA. Se nós éramos uma nota de rodapé para a Ford, hoje a Ford pe uma nota de rodapé para os Brasileiros.

 

A Fiat não. Sabendo da importância do Brasil, e sendo majoritária na FCA, tomou a Jeep de assalto e investiu numa estratégia de acesso a mercado digna dos livros de história. Investiu numa fábrica, em concessionárias, em anúncio e principalmente em produtos – vendidos em vários outros países, inclusive EUA – e hoje obtém um sucesso estrondoso. O que se vê de Renegade e Compass na rua não tá escrito, ainda mais lembrando que não são carros de entrada.

 

O Compass é o primeiro carro “sério” na linha da Jeep. Explico: nos EUA os carros precisam de um tamanho mínimo para terem patamares de vendas significativos. Corolla e Civic começaram a vender mesmo quando se tornaram sedãs médios em substituição ao Camry e Accord, que hoje são ainda maiores. Os carros menores em tamanho são comprados como segundo ou terceiro carro, ou carros para jovens recém-habilitados, e não vendem tanto. Para esse mercado, a Jeep criou o Renegade, que tem um visual descolado, diferenciado, os easter eggs, mais carro de nicho. O Compass antigo, aquele bizarro com a maçaneta da porta traseira na coluna, tinha a mesma pegada.

 

O Compass não. O design de “mini-Cherokee” é proposital: leva a aspiração de carro maior, porém com preço mais acessível. É um carro pra vender muito e fazer a imagem da marca; pra ser visto rodando em todo canto e estabelecer um patamar. A partir de uma plataforma já consolidada (e robustez é fundamental quando se trata de mercado norte-americano), a Jeep não mediu esforços para projetar e construir um carro que criasse um novo patamar de vendas para a empresa dentro da gestão FCA, e efetivamente assumindo uma posição global de fabricante de SUVs premium, algo que seria incompatível com a marca Fiat.

 

Um amigo diz que “não passa vergonha” quando chega de Compass em eventos da alta roda no qual os outros participantes chegam de Porsche e Mercedes. Está certo; o Compass trouxe uma superioridade de desenho e construção em seu segmento que talvez só encontre paralelo com o que o Golf Mk4 fez na virada do milênio; um carro que foi estudado pela Mercedes para ser entendido como VW obtinha lucro vendendo um hatch médio com padrão de construção e acabamento similares aos carros da marca. Aliás a comparação com a VW é ótima quando pensamos no histórico dessa marca de fazer desenhos que, se não causam arroubos de paixão, também se mantém atuais e dignos por muito tempo. O Compass é exatamente isso. Digno, envelhece bem, remete a carros mais caros e traz pequenos detalhes diferenciados como o caminho do friso cromado na coluna C. Uma restrição digna de carros mais caros e que foge do excesso de linhas de Taos e Creta que envelhecem o design rapidamente.

 

Mais ainda que o exterior, o interior revela um salto de qualidade impressionante e é em nossa opinião o melhor aspecto do carro. Já era bom antes; com a revitalização pós-facelift, ficou de tal nível que o mesmo interior é aplicado a um carro do segmento superior (Commander) e ainda assim está em bom contexto. Comparar o interior de um Compass e um Taos é quase como comparar um Bentley e um Celta sem bancos.

 

Já nessa versão Longitude, que é intermediária (Sport, Longitude, Limited e S, em ordem ascendente), temos plástico emborrachado no painel e nas portas. Acabamento sem rebarbas. Acionamentos macios e firmes em botões e alavancas. Couro macio e de alta qualidade no volante e nos bancos, nestes perfurado para melhorar a ventilação. O painel tem uma aplicação de plástico cinza texturizado de muito bom gosto. Atrás é ligeiramente pior (plásticos rígidos nas portas), porém ainda com bom couro, saídas de ar e entradas USB e USB-C para carregamento.

 

Contribuem para a sensação de bom acabamento a solidez das portas (chegam a ser pesadas para abrir e fechar) e o cluster que na Longitude talvez seja melhor que nas versões superiores com painel digital: este, na Jeep, não está em estágio de evolução como o da VW e ainda possui gráficos antiquados e pouco agradáveis, parecem baixa resolução. A Longitude mantém velocímetro e conta-giros analógicos com um display central monocromático trazendo diversas informações, e gostamos desse arranjo. Seria melhor se pudéssemos ver vários dados ao mesmo tempo; ao final a tela favorita era uma com tempo decorrido desde a partida e consumo, mas poderia mostrar mais coisas. Também curtimos os diversos parâmetros monitorados, como pressão e temperatura de óleo de motor, óleo de câmbio, entre outros. De negativo só a escala extremamente minúscula do velocímetro que quase obriga o uso do repetidor digital.

 

A posição de dirigir causa estranheza caso você não venha de um SUV. É alta com força, e a robustez das portas e do desenho, bem como o excelente isolamento interno, dão mesmo a impressão de estar no comando de um tanque de guerra, um bloco sólido de metal. Dá até pra entender porque os motoristas desses carros abusam tanto. Existem amplos ajustes de altura do banco e altura e profundidade do volante, mas não gostamos do assento: existem abas laterais que sugerem uma esportividade que não combina com o veículo. SUV americano tem que ter poltronas nos lugares dos bancos, e não algo com pretensão esportiva.

 

A central multimídia é enorme de altíssima resolução, tipo full HD mesmo. A da unidade testada tinha um problema de sensibilidade: algumas vezes os toques na tela não eram atendidos e nada acontecia, independente da força aplicada. Era necessário aguardar e apertar de novo, ou então apertar nas extremidades do “botão” indicado na tela. Era algo tão grotesco que nos recusamos a acreditar que seja comum a todas essas centrais e seria motivo de retorno imediato à concessionária caso fosse nosso carro de uso. Tirando isso, gostamos muito: a conexão sem fio com o Android Auto era imediata, eram possíveis múltiplas configurações de tela, de sistemas do carro, de som, entre outros. Estranho não haver carregamento por indução quando há conexão de dados sem cabo; acaba obrigando o uso de cabo de qualquer jeito. Nisso ajuda a dupla entrada de USB comum e USB-C. A qualidade de áudio é somente razoável.

 

Ao observarmos a lista de opcionais, dá pra notar claramente uma tendência de mercado em agrupar os equipamentos em dois níveis que seriam chamados pela saudosa CAOA de “completo” e “completíssimo”. O “completo”, como é este Compass, traz todos os equipamentos que se espera da faixa de preço porém deixa de fora os auxílios à direção, que são mais tecnológicos e ficam nos carros “completíssimos”. Assim, não temos piloto automático adaptativo, sensor de faixa, de saídas em ré, park assist, de ponto cego, porém temos todos os equipamentos padrão: seis airbags, central multimídia de 10,1” com os serviços conectados da plataforma Adventure Intelligence e espelhamento sem fio para Android Auto e Apple CarPlay, faróis Full LED com assinatura em LED, faróis de neblina em LED, Jeep Traction Control+, Auto Hold, rodas de 18”, ar-condicionado dual zone, freio de estacionamento eletrônico, Sistema Keyless Enter ‘N Go, sensores de chuva e crepuscular, filtro de ar na cabine, iluminação branca (LED) na cabine, quadro de instrumentos digital e entradas USB (incluindo tipo C), rebatimento automático dos retrovisores, Navegação Embarcada, bancos em couro, retrovisores elétricos, aletas no volante, retrovisor eletrocrômico.

 

Como falamos, os itens de segurança passiva e maior tecnologia ficam disponível como opcionais na versão Longitude: Pack Premium – Park Assist, Remote Start, sensor de estacionamento dianteiro, sistema de som Premium Beats de 506 W (8 alto-falantes + subwoofer) e Wireless Charger (Carregador do Celular por Indução). O teto solar também é opcional. Para o dia a dia só o sensor dianteiro faz realmente falta.

 

Agora vamos falar de espaço interno, e aqui é importante ressaltar que os projetistas do Compass fizeram uma escolha de priorizar este item em detrimento do porta-malas. Então o que temos é um espaço interno superior ao dos sedãs médios, na frente e principalmente atrás tanto em espaço para pernas quanto para cabeça. A contrapartida é um porta-malas muito aquém das necessidades de uma família com somente 410 litros.

 

Este é um dos fatores decisivos para a compra deste SUV. Quem roda mais em cidade e não precisa muito de porta-malas está coberto, mas se você é do tipo que leva trocentas malas em viagens rodoviárias, o Taos pode ser uma melhor escolha (e esse é um dos dois únicos argumentos nos quais vemos vantagem do Taos sobre o Compass), pois possui espaço interno equivalente porém com porta-malas maior.

 

A Jeep inventou uma história de porta-malas em dois níveis e que aumenta a capacidade, mas é tudo balela. Abaixo da forração tem o estepe e uns enchimentos de espuma que não fazem diferença em termos de bagagem adicional.

 

Em termos de motorização, o que parecia que era um golaço da Jeep se tornou uma dor de cabeça. Com o face-lift, saiu o 2.0 Tigershark, criticado pelo consumo excessivo e necessidade de altos giros para desempenho, e entrou o novíssimo 1.3 turbo MultiAir com quinhentos milhões de novas tecnologias para entregar potência e reduzir consumo. A subida de potência e torque foi grande: sai de 159/166 cv (a 6.200 rpm) e 19,9/20,5 kgfm (a 4.000 rpm) para 180/185 a 5.750 rpm e 27,5 kgfm já aos 1.750 rpm. O câmbio procura não deixar a rotação do motor cair muito abaixo de 1.500 rpm, de forma que o torque máximo está sempre próximo, propiciando uma sensação agradável de desempenho. O peso elevado de 1.585kg se faz notar, mas ainda assim as reações são agradáveis na cidade e na estrada, tanto na direção normal quanto na exigência elevada de potência.

 

A dor de cabeça é o fato desses motores aparentemente terem um problema crônico de consumo de óleo, que tem levado a desgaste prematuro dos componentes internos antes da primeira revisão (com 1 ano e 12 mil km) e uma preocupação dos donos tanto com trocas antecipadas de óleo quanto a uma elevada desvalorização na revenda caso o motor não se revele confiável no longo prazo – e este é o segundo motivo que poderia levar à compra de um Taos, pois seu motor 1.4T já foi extensivamente testado. A Stellantis usa esse motor em praticamente toda a linha, o que revela confiança no produto e/ou sua habilidade de contornar esse problema mecânico. Nós não deixaríamos de pegar um Compass por conta disso, mas teríamos uma pulga atrás da orelha.

 

O câmbio é um seis marchas epicíclico, esse sim testado e comprovado, com trocas rápidas e suaves subindo e reduzindo marcha. Existem aletas atrás do volante para trocas que funcionam a contento. É um daqueles carros que você coloca em D e esquece de aletas ou função Sport, de tão bem gerenciada que é a caixa em sua programação original.

 

A suspensão é McPherson nas quatro rodas, necessária para a versão 4x4, com barra estabilizadora, e nos surpreendeu pela firmeza: espsrávamos maior complacência com buracos e desníveis, e o que vimos é uma calibração alemã de absorção seca de solavancos. Preferimos algo mais macio, até considerando a proposta do carro, pois como está incomoda em piso irregular, o que é o oposto da proposta de um SUV. E por falar nisso, embora a Jeep tenha melhorado a altura em relação ao solo, crítica na versão anterior, esta ainda não continua digna de SUV: é necessário tomar cuidado com valetas e rampas como se fosse um hatch ou sedã. O que ao final nega toda a proposta de SUV.

 

Agora, pra comprar é puxado né. Putz grila. 186 mil cruzeiros. Dá vontade de dar entrada num apartamento (ou até comprar um), deixar alugando e só curtir a renda. Não dá pra entender como num país de renda média de 2.800 reais uma porra de um carro custa CENTO E OITENTA MIL. E sem criticar especificamente a Jeep, óbvio, os concorrentes custam o mesmo absurdo. A vontade é mandar todo mundo tomar na tarraqueta e andar de Gol 2005.

 

Passado o stress, o Compass se configura como a melhor alternativa do segmento. Do mesmo porte temos o Corolla Cross, que é uma aberração de feio, sem graça e mal feito, e o VW Taos que tem duas vantagens importantes em relação ao Jeep, mencionadas no texto, mas é outro carro absolutamente sem graça, desenhado por comitê por dentro e por fora, não tem uma linha ou um detalhe ali que denote o mínimo de criatividade ou inspiração. Uma alternativa que desconhecemos é o Tiggo 7.

 

Mas e se considerássemos um sedã? Este é assunto para o próximo texto.

 

Estilo 9 – Desenho muito acertado, ligeiramente melhorado no face-lift. Só depõe contra o fato de ter muito nas ruas.

 

Imagem – Feminino e Masculino, um certo status. Não faz feio em meio a carros bem mais caros.

 

Acabamento 10 – Couro macio, painéis de porta e topo do painel idem, botões com peso correto, emborrachados, é acabamento de categoria superior.

 

Posição de dirigir 7 – Muito alta para o nosso gosto, mas faz parte de um SUV. Não gostamos do assento do banco. Bons ajustes manuais de banco e volante.

 

Instrumentos 9.9 – Excelente combinação de analógico e digital, e ainda por cima tem várias informações do carro que podem ser mostradas. Não vamos dar 10 só porque colocamos a barra lá em cima e demandamos um velocímetro com escala maior e um modo da tela no qual dê pra ver mais informações ao mesmo tempo.

 

Itens de conveniência 10 – Tem todos os equipamentos de conforto e conveniência e fica devendo os de segurança e auxílio ao volante, como tem se tornado padrão nessa faixa de preço.

 

Espaço interno 9 – Foi privilegiado no projeto do carro, e reflete em bom espaço longitudinal e em altura tanto à frente quanto atrás. A largura poderia ser maior dado o porte do carro, as portas são bem largas.

 

Porta-malas 3 – Ponto fraco do Compass desde o lançamento. Não tem milagre ou justificativa, 410 litros é muito pouco. O acabamento é bom, mas a iluminação poderia ser mais forte.

 

Motor 6 – Desempenho agradável, bom empuxo desde baixas rotações. O ronco é sem graça, mas não faz diferença dada a proposta do veículo. O grande ponto aqui é a durabilidade.

 

Desempenho 8 – O elevado peso se faz sentir em acelerações e especialmente em manobras em velocidade que sejam mais bruscas. É um carro benigno e que não foi feito para isso. No uso civilizado, agrada plenamente e é um salto em relação ao anterior.

 

Câmbio 9 – É daqueles que se coloca em D e esquece. Trocas nas aletas do volante são satisfatórias. Calibração com o motor de baixa cilindrada está em bom nível de maturidade, com uso do conversor para compensar baixo torque.

 

Freios 8 – Disco nas 4, pedal com boa mordida. Não dos freios, mas os pneus ecológicos têm menos aderência do que gostaríamos.

 

Suspensão 7 – Também gostaríamos de maior complacência, talvez até mais borracha nos pneus do que propriamente ajuste de suspensão. Mas pouca coisa.

 

Estabilidade 6 – É um carro que faz curvas com mais mérito do que deveria, pas o ponto de partida é um SUV pesado.

 

Segurança passiva 10 – Não vem com o pacote de segurança ativa e auxílios à condução, mas traz um bom pacote de segurança passiva como seria de se esperar.

 

Custo-benefício 10 – Qualquer carro no Brasil custa um absurdo. Dito isso, o Compass está acima da concorrência em nossa avaliação. É um carro acertado em design, equipamentos, acabamento, espaço interno e, com o novo motor, não fica devendo em desempenho ou consumo. Preocupações somente a durabilidade do motor e o tamanho do porta-malas.

Comentários

JODF disse…
Dub, que saudade de ler suas avaliações, foi uma alegria imensa abrir o site "por um acaso" e me deparar com essa.
Quanto ao Compass, assino embaixo, carro muito bom mesmo, dirigibilidade acertada e construção superior, a Fiat/Jeep elevou a brincadeira a outro patamar com ele. Vejo como uma compra muito acertada na categoria, daquelas que não tem erro, é bom em tudo e tem poucos poréns. Tive um Diesel, mas não compensa mais, levaria o T270 mesmo.
Menção honrosa ao Tiggo 7, que é muito bom também, garanto que vale o teste - convivo com um Tiggo 8 e o carro é fenomenal, anda muito bem, acabamento até superior ao renomado Commander e zero problemas com o pós vendas até agora (pouco mais de 1 ano). Sendo o Tiggo 7 uma versão de 5 lugares do 8, garanto que é ainda melhor.
Espero ver mais avaliações por aqui.
Abs

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