Teste: Fiat Mobi Drive 1.0 Firefly


  
Hoje no Brasil temos três receitas de carros subcompactos de fabricantes com grande volume de vendas.

O primeiro a ser lançado foi o Volkswagen Up. É um projeto alemão, pensado para vendas na Europa e alguns outros mercados. Por lá, é o carro de entrada da marca – em alguns casos substituindo o Fox brasileiro –, seguido pelo Polo. Então, deve cumprir com as regulações da União Europeia com relação a segurança e com as expectativas do consumidor europeu quanto a acabamento, equipamentos, e emissão de poluentes, que reflete em economia de combustível. Por lá existem clones inclusive da SEAT e da Skoda, para penetração em outros segmentos e países.

No Brasil, deveria ser também um carro de entrada. Foi a proposta quando do seu lançamento, uma opção urbana, moderna ao Gol. Só que em algum momento a fórmula se perdeu. Não fazemos parte da diretoria da empresa, portanto só podemos imaginar que tomou-se uma decisão de manter o Gol como carro de entrada, imaginando uma versão nova (Gol G7?) que possa ser competitiva em preço e modernidades. E aí o Up ficou sem função. O novo posicionamento é como se fosse uma espécie de Fiat 500, carro compacto e urbano para jovens descolados, com o senão que o Up não tem 1% do charme do italianinho. Então vai ficar num limbo mesmo e aparentemente os big shots da Volks estão contentes com essa solução incompetente. Porque pagar 60 mil reais num Up, por melhor que o carro seja (e é muito bom), fica difícil.

O mais recente foi o Renault Kwid. Proposta totalmente diferente do Up, embora sejam concorrentes pelo tamanho e motorização similares. O Kwid veio ser carro de entrada em países emergentes, de renda limitada, começando pela Índia e chegando ao Brasil. Então foi dado foco total em corte de custos, para que o carro fosse barato. Daí o péssimo resultado em crash-tests (que a Renault brasileira alega ter resolvido) e as soluções como rodas com três pontos de fixação, painel sem conta-giros, somente dois alto falantes, entre outras.

Nossa situação como consumidor no Brasil é tão ruim, tão lamentável, tão desgraçada que até pouco tempo as fabricantes faziam isso mesmo e depois lançavam o carro mega caro, no preço da concorrência (Aloooooooo Celta! Aloooooooo Gol G4!) e com isso traziam o nível do segmento como um todo pra baixo – e os lucros pra cima.

Mas aí a Renault teve a OUSADIA de manter o preço! Colocou um valor altamente chamativo na versão de entrada, 30 mil reais, e ofereceu uma versão digna por 35 mil, e uma versão digna com conectividade por 40 mil. Aì o que acontece quando você tem marca forte, carro decente e preço acessível? Sucesso de vendas! Pedidos esgotados! Fábrica trabalhando em três turnos, gerando empregos e reduzindo custos! Parece óbvio, embora a maioria dos diretores de vendas e de produtos das fabricantes precise de cinco MBAs no exterior para continuar não entendendo como isso funciona.

Entre os dois teve o Mobi. Ele não nasceu nem como carro de entrada da Europa, nem como carro de entrada da Índia. Ele nasceu como oportunidade de mercado: desenvolver um modelo rapidamente e com baixo custo para competir num novo segmento e trazer ar fresco para uma linha carente de novidades. Lembra outro carro que surgiu assim? Agile.

O problema dos modelos que surgem dessa forma é que as suas limitações são muito grandes já de partida. Eles precisam ser muito baratos de desenvolver, portanto devem usar o máximo de elementos já existentes na linha, e ao mesmo tempo precisam aparentar muita novidade, por isso acabam recorrendo a elementos de design exagerados e muitas vezes duvidosos. É dai que veio aquele desenho bizarro do Agile, especialmente na dianteira, e idem para a dianteira estranha do Mobi. A mesma coisa vale para a tampa traseira de vidro; sua única vantagem é ser diferente. Na prática, reduziu o vão de acesso ao porta-malas e seu manuseio é estranho, parece frágil, te obriga a fechar com delicadeza. Uma tampa convencional de metal seria muito mais útil, mas aí não seria novidade.

Outro problema dessa gestação é a plataforma. Embora “entuisiastas” tentem te convencer que plataforma não faz diferença, faz sim. Repare no perfil lateral dos três modelos citados nesse texto. O Up é quase uma Kombi de tão pequena a frente e o espaço do motor. O Kwid segue a mesma linha. Isso significa que o maior espaço possível foi dedicado ao habitáculo, para oferecer um espaço interno razoável com dignidade dentro das dimensões bastante compactas desses carros. O Mobi, como segue a base do Uno, não tinha como mexer nessa parte. Aí fica aquele desenho bizarro de um carro compacto com um capozão, que é proporcional no Uno, mas fica exagerado no Mobi. O resultado? Aperto. O Mobi tem de longe o menor espaço no banco traseiro dos três e também no porta-malas.


O restante do carro tem erros e acertos. O próprio Agile, dadas suas limitações, tinha qualidades como desempenho adequado, economia de combustível, robustez e espaço interno. No Mobi, a Fiat acertou no desenho interno, misturando texturas de plásticos para um ambiente de certa forma agradável e que não grita na sua cara “carro de entrada”. A ergonomia é correta: o volante tem uma pega excelente (é talvez o melhor volante revestido em plástico que já testamos, tem uma maciez e toque agradável, supera inclusive volantes revestidos em couro duro); as alavancas do pisca e limpadores vêm do Punto, com desenho correto e acionamento adequado; aliás todos os botões e alavancas são bons de usar e não parecem de carro de brinquedo; só há metal visível por dentro na coluna B, uma qualidade; o painel não cai na tentação das bizarrices de carros de entrada, como partes vazias, relógios gigantes, entre outros: ele é adequado, com um enorme mostrador digital com leitura do combustível, temperatura e computador de bordo. Só o conta-giros é pequeno e de leitura difícil, lembrando o do Fox de primeira geração. Outro senão vai para os bancos, muito estreitos e que acomodam mal o corpo.

O Mobi Drive já traz o novo motor Firefly de três cilindros, e ele é de fato a melhor coisa do carro. É bem moderno, com bloco de alumínio, variação do tempo de abertura das válvulas de admissão e escapamento, corrente para o comando destas, e preaquecimento de etanol dispensando o tanquinho. Toda essa parte técnica resulta num motor agradável de usar, com potência e torque (77 cv a 6250 rpm e 10,9 m.kgf) mais do que adequados. É gostoso fazê-lo girar, com um ronco distinto e muito encorpado, bom de ouvir – a Fiat continua a melhor fabricante nacional em termos de sons de motores. Em rotação muito baixa com solicitação de potência acontece uma vibração incômoda, que poderia ter sido mais bem trabalhada. Em marcha lenta o motor é muito silencioso, e em velocidades de estrada embora o ruído esteja presente, o barulho de vento e rolagem é mais alto, demonstrando a falta de refinamento comum a esse segmento.

No entanto, o motor não consegue fazer do Mobi um carro agradável de guiar. A direção com assistência elétrica, muito leve, é um tanto anestesiada na cidade. Embora os pedais tenham acionamento macio, a ação da embreagem está muito próxima do início do curso do pedal, o que é desagradável – achamos muito mais confortável modular embreagem no fim do curso, com a perna mais esticada e não dobrada –, o pedal do freio é dos mais borrachudos que testamos (parece que a Fiat pegou trauma do pedal de freio “tudo ou nada” comum aos Palios 1.0 desde a segunda geração), e o comando de câmbio é padrão Fiat, leve porém impreciso; o acoplamento das marchas não traz aquela sensação mecânica de encaixe, parece esponjoso.


Abrindo um parêntese, no comando de câmbios manuais fica claro como investir num projeto de partida para resultados formidáveis é algo que vale a pena. A Volks deita e rola com o MQ-200, que já equipou e equipa Gol, Fox, Polo, Golf, todos extremamente agradáveis de usar e que sempre tiveram no câmbio um ponto alto. A mesma coisa vale para a Honda. Aí a Fiat (e a GM) se contentam com um câmbio qualquer nota e isso fica prejudicando diversos modelos. Provavelmente algum desses diretores com cinco MBAs achou que era prudente cortar custos no projeto e prejudicou o guiar de milhões de carros.

A suspensão McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira tem calibração estranha, dura, transmitindo todos os impactos para a cabine. Ao mesmo tempo o carro cede muito em curvas. Parece o pior dos dois mundos. Seria bem melhor se ou a dureza fosse ao menos compensada em estabilidade ou, melhor ainda, um conjunto confortável e robusto para enfrentar a selva urbana. A FCA tinha se tornado referência em acerto de suspensão com Punto, Toro e mesmo Renegade; uma pena terem deixado a do Mobi na mão do estagiário.

A lista de equipamentos é honesta para a classe. Tem direção elétrica, ar manual, vidros elétricos na dianteira e travas elétricas, banco traseiro bipartido com duas posições para o encosto, computador de bordo, os obrigatórios air bag duplo e ABS e volante com regulagem de altura. Aqui faz falta um equipamento que sobressaia à concorrência, como um aparelho de mega conectividade, ou os air bags laterais do Kwid.

Tudo somado, temos no Mobi um carro feio, ruim de guiar, apertado, com um excelente motor na versão Drive. E ainda por cima caro, com preço oficial de R$ 41.260. A não ser que você consiga um ultra desconto e pague menos de 35 mil nele, o Mobi não é competitivo nem com o Kwid intermediário. O Up cobra caro, porém entrega refinamento e qualidade construtiva. O Kwid não, porém é barato. O Mobi consegue ser pior que o Kwid e não compensa sendo mais agressivo em preço. Deixe ele lá encalhando na concessionária.


Estilo 1 – Feio de frente, desproporcional de lado, a traseira é melhor porque pior não tinha como.

Imagem – “Não gosto de carros, comprei porque estava na promoção”.

Acabamento 7 – Bem adequado para a categoria, com texturas diferentes e agradáveis aos olhos. Tecido áspero nos bancos, como é de se esperar.

Posição de dirigir 5 – Pedais deslocados à direita, banco estreito, porém o volante na posição correta.

Instrumentos 8 – É muito interessante a tela central com várias informações, e o velocímetro grande ajuda a manter a velocidade diante de tantos radares. Só o conta-giros que não faz sentido.

Itens de conveniência 6 – Faz falta um equipamento diferenciado. É mais do mesmo, embora sem faltas graves.

Espaço interno 1 – Pessoas acima de 1,70m na frente já invalidam o uso do banco traseiro.

Porta-malas 2 – Pequeno, de formato ruim (estreito e fundo) e acesso pior ainda por causa da tampa de vidro.

Motor 9 – Muito econômico, potência e torque adequados, ronco agradável, soluções modernas de construção.

Desempenho 7 – Supera as expectativas de um “carro 1.0”, com potência mais que suficiente para a condução urbana

Câmbio 3 – Leve, com as relações de marcha padrão Fiat (100 km/h a 3 mil rpm em quinta não importa carro, peso ou motor), porém desagradável de usar pelo encaixe molenga das marchas.

Freios 5 – Pedal ruim, com muito curso até a ação dos freios. A frenagem em si é adequada.

Suspensão 3 – Calibração ruim, uma mancha no histórico da Fiat. Carro molenga sem recompensa em conforto.

Estabilidade 4 – É para ser conduzido tranquilamente.

Segurança passiva 5 – Tem o que é obrigatório.


Custo-benefício 2 – Até pode ser barato, e a Fiat oferecer descontos para equiparação com o Kwid. Mas o conteúdo é fraco, precisaria ser ainda mais barato. Ou melhor, de graça.

Comentários

Wagner Almeida disse…
Simplismente adoro sua sinceridade nas análises... Esse carrinho é feio que dói... Adoro a parte dos caras que tem 5 MBA no exterior e só fazem merda, impagável... O que vc tem achado do argo? Já andou ou testou algum? Principalmente as versões de entrada? Acabamento, equipamentos, sistema de som, desempenho do 1.0 e 1.3 firefly?

Grande Abraço.

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