Teste: Chevrolet Camaro SS V8 6.2

São muitos os fatores que compõem o prazer em dirigir. Sentir o carro sobre trilhos ao entrar numa curva de alta é um deles. Sentir um freio com uma modulação precisa, aplicando às rodas exatamente a pressão desejada, é outro. Existem diversos itens nesta lista, como uma direção milimetricamente precisa, uma suspensão de respostas rápidas, e por aí vai. E um dos fatores mais importantes, e divertidos, desta relação é a capacidade de um carro de colar suas costas no banco nas acelerações, entregando potência a baldes.

Essa sempre foi a proposta dos muscle cars. Alegrar seu dono oferecendo uma maneira muito brutal e rápida de acelerar de um semáforo ao outro, sendo ao mesmo tempo um carro simples e acessível. E o fator preço baixo, que é parte inseparável de um verdadeiro muscle car, significa que muitos dos outros fatores, mais refinados, do prazer em dirigir são esquecidos. Fazer curvas com um Chevelle 1970 é mais assustador do que divertido.

Dirigir o Camaro sem ter plena consciência do que define um muscle car e para quê ele serve é uma experiência vazia. Esqueça a maioria dos carros brasileiros, que tenta ser esportivo e confortável, espaçoso e compacto, tudo ao mesmo tempo. O Camaro tem um propósito, e somente um: trazer alegria ao motorista que curte muscle cars. Se você não quer isso, fuja do Camaro.

Essa é a maior contribuição do design ao Camaro SS. Ao beber na fonte do inesquecível Camaro original da década de 60, a GM produziu um carro único, diferenciado, e que mostra a que veio logo de cara. O Camaro é enorme e ridiculamente largo: é difícil mantê-lo dentro da faixa de rolamento numa avenida. A cara musculosa implicou em vidros pequenos, teto baixo, frente pontiaguda (e que raspa em qualquer valeta). Existem várias concessões de conforto e praticidade em nome do design, que comentaremos mais à frente. E é bom que seja assim: logo de cara o Camaro avisa que ele é um muscle car, e que ele se leva a sério nessa proposta. Agora, se é um carro bonito é uma questão de gosto. Para o M4R, é mais interessante do que bonito.

Dentro, a proposta muscle car continua. O acabamento é simplesmente sofrível. O plástico rígido que envolve o topo das portas e do painel é do mesmo calibre do utilizado no Celta. As peças são mal encaixadas e alguns itens, como as maçanetas das portas, parecem que vão quebrar a qualquer momento. Mesmo o couro que envolve bancos e volante, embora não seja dos piores, podia ter um certo requinte, como aqueles furinhos que ajudam a trocar o ar e também melhoram a textura. Elegância mesmo só à noite: o painel é iluminado num azul claro, acompanhado por LEDs nas portas, que dão um aspecto moderno ao interior.

E moderno é a palavra certa para explicar o HUD, ou heads-up display (mostrador na altura da cabeça). É uma telinha que parece flutuar no vidro dianteiro – com altura ajustável – e que indica informações básicas como velocidade e giros do motor. A primeira impressão é que ele mais atrapalha do que ajuda, mas após poucos quilômetros já parece um equipamento indispensável, ainda mais no caso do Camaro, com mostradores estreitos e pouco legíveis.

Com ajustes elétricos para motorista e passageiro, os bancos do Camaro ajudam a encontrar uma excelente posição de dirigir. De forma geral, os carros maiores da GM (Astra, Vectra e daí pra cima) oferecem amplo espaço para as pernas do motorista, o que facilita uma condução como se deve, com o volante mais próximo e os pedais à distância adequada. O Camaro não é exceção, e com o ajuste de altura e profundidade do volante, é fácil se sentir à vontade no cockpit. O teto baixo, no entanto, dificulta para os motoristas mais altos. Pessoas com altura superior a 1,90 terão problemas.

Dentre os vários itens que remetem aos muscle cars do passado, o volante enorme é um que poderia ser dispensado. Grande e com um aro muito grosso, mais do que seria desejável, é a definição de um volante “macho”. Não é, definitivamente, uma ferramenta de precisão para pequenas correções na trajetória, e sim um instrumento bruto.

Outra restrição causada pelo design é a péssima visibilidade externa. Repare como os vidros do Camaro são pequenos. Enxergar para trás é mais um exercício de adivinhação, e os retrovisores externos minúsculos não colaboram. A visão à frente é melhor, embora a parte inferior do vidro seja ocupada pelo enorme capô.

Existe um banco de trás no Camaro, e digamos que os assentos forrados em couro são um ótimo lugar para levar bagagem. Em primeiro lugar há o problema do acesso: como somente os encostos basculam, e o assento não se move, para liberar o acesso é preciso ajustar o banco para frente. Entrar é uma operação delicada, graças ao teto baixo. A sensação atrás é claustrofóbica, com poucos vidros e um teto ameaçadoramente baixo, ainda por cima forrado em preto. E não há espaço algum para as pernas com um motorista de 1,80 ao volante. Nada mesmo, os bancos ficam encostados. É melhor considerá-lo um cupê de dois lugares. O porta-malas, embora de boa capacidade com 384 litros, tem um acesso ridiculamente pequeno – algumas malas maiores não passam ali.

Em termos de equipamentos, o Camaro não surpreende, mas também não decepciona: há vidros e travas elétricos, ar-condicionado de ajuste manual, computador de bordo bem completo (mas informando consumo em l/100 km), piloto automático com comandos no volante, sistema de som com capacidade para 6 discos, MP3 e Bluetooth, bancos com ajuste elétrico e o HUD.

Quem entendeu o espírito do muscle car do início do texto considerou tudo o que foi escrito até aqui a maior bobagem do século, pois o importante mesmo é o motor. E o V8 do Camaro é um daqueles motores que fazem você esquecer completamente de qualquer outro aspecto do carro.

É um V8 6.2, que na melhor tradição americana usa o deslocamento para compensar a falta de tecnologia (são somente duas válvulas por cilindro). Com uma taxa de compressão relativamente alta, 10,87:1, gera 406 cv a 5900 rpm, com torque de 55,6 m.kgf a 4600 rpm. Pois é. Quatrocentos cavalos e mais de cinquenta quilos de torque. E a gente achando que um carro com 22 de torque é forte.

Mesmo sem ser um peso leve, do alto de seus quase 1800 kg, o Camaro é bem vigoroso: a aceleração de 0 a 100 km/h é feita em cinco segundos, e a velocidade máxima é limitada eletronicamente a 250 km/h.

Ter essa potência e torque à disposição do pé direito é como ser amigo da Lady Gaga e da Amy Winehouse: não há um momento de tédio. Pise fundo na saída do semáforo que o bico do carro levanta e você é levado a 100 km/h num piscar de olhos. Se tiver um pouco mais de espaço, 170 km/h chegam brincando. Retomadas corriqueiras de velocidade, como 40-70 km/h, parecem feitas na velocidade da luz. E como é maravilhoso ouvir um V8, um motor de verdade, roncando, urrando em altas rotações, despejando potência sem dó. Com um Camaro você se vê fazendo idiotices como abrir os vidros num túnel para ouvir o motor, arrancando em todos os semáforos e, claro, queimando os pneus traseiros num burnoutzinho básico. E o ronco do V8 bem que podia ser mais alto.

Já parar o Camaro não é tão divertido. Mesmo com pneus enormes e freios da Brembo, o carro é um monstro de 1800 kg que atinge velocidades muito elevadas muito rápido. Então normalmente é preciso frear forte. E o Camaro é tenso na frenagem, jogando seu enorme peso na dianteira e a traseira leve saltitando, o que é bem percebido pelo motorista. E os espaços de frenagem não são exatamente curtos. Então acelerar com o Camaro requer uma certa precaução em termos de espaço à frente pois, apesar de frear bem, a distância pode ser maior do que deveria.

O conceito de suspensão é moderno, com multi-links à frente e atrás. Já a regulagem é excessivamente dura, o que passa todas as imperfeições do piso à cabine. Embora pudesse ter optado por um arranjo com mais conforto, um sistema duro também é bem-vindo num carro de desempenho superlativo como o Camaro. É preciso senti-lo sempre na mão, e há que se dizer que a suspensão faz milagres em deixar dócil um monstro de 400 cv e 1800 kg.

Monstro que anda e bebe: andando (o correto seria sizer se divertindo) com o Camaro na cidade, a média fica em 3 km/l. Uma condução dentro dos parâmetros da civilização deve chegar próximo à média anunciada pela GM, de 6 km/l. Na estrada, chega a 11 km/l. Tudo de gasolina, preferencialmente premium, claro.

Se alguém com R$ 180 mil disposto a investir num carro está em dúvida se deve comprar o Camaro, é porque não deve. Como bom muscle car, o Camaro não se mistura com outros carros da faixa de preço e não se presta a comparativos, a não ser com seus irmãos Mustang e Challenger. Não faz sentido o cidadão estar na dúvida entre um Camaro e um Hyundai Veracruz (putz, por que fui lembrar dessa monstruosidade? Preciso ir vomitar). Ou você curte muscle car, entende a filosofia, vai lá e compra um Camaro, ou não, opta por uma Land Rover Discovery, uma BMW série 3, uma Mercedes classe C, excelentes automóveis.

No entanto, quem curte a filosofia de acelerar a qualquer momento, qualquer hora, e coloca cavalos e torque acima de qualquer coisa, a GM fez um trabalho maravilhoso: a R$ 180 mil, o Camaro tem a melhor relação potência/preço do mercado. E também o maior número de sorrisos por quilômetro rodado.

Estilo 9 – Todos reparam no trânsito. Andar de Camaro é tornar-se celebridade instantânea. O carro evoca a primeira geração de 1967, musculoso e maligno, mas falta algo para ganhar 10.

Imagem – É muito difícil imaginar uma mulher saindo de um, o que só tornaria ela ainda mais interessante, corajosa e desejável. Mas é um brinquedo de meninos grandes.

Acabamento 1 – Deprimente. Faria feio num comparativo com um Civic.

Posição de dirigir 10 – Ajustes elétricos nos bancos e ampla regulagem do volante colaboram, assim como o bom espaço para as pernas.

Instrumentos 10 – É completíssimo, pois os instrumentos no console indicam pressão e temperatura do óleo, voltagem da bateria e temperatura do fluido da transmissão de marchas. Todo carro deveria indicar estes valores, ao menos num mostrador digital. E o HUD compensa a pouca clareza dos números do velocímetro.

Itens de conveniência 9 – Há falhas, como ar manual e ausência de teto solar, mas no geral vai bem.

Espaço Interno 2 – Na frente, problema só para os bem altos, por causa do teto baixo. Atrás, só para malas ou sessões de tortura.

Porta-malas 5 – Apesar da boa capacidade, o acesso é ridiculamente pequeno, chega a impedir a passagem de uma mala grande. O acabamento é bom e as dobradiças são pantográficas.

Motor 10 – Quem gosta de motorzinho é dentista. Fora o ronco, devia ser mais alto.

Desempenho 10 – Dizer que há potência de sobra é maldade com a palavra “sobra”. 100 km/h em cinco segundos, acelerações de colar no banco, o Camaro sobra no quesito. E a alegria do motorista também.

Câmbio 8 – É um automático de 6 marchas dos melhores, com trocas imperceptíveis ao andar suave e bem decididas ao se andar forte. Aproveita bem o motor. As trocas nas alavancas atrás do volante poderiam ser mais rápidas.

Freios 8 – Os discos ventilados, da Brembo, mesmo com ABS, sofrem para parar o monstro. Estão sempre fazendo hora extra.

Suspensão 6 – O conceito moderno, de multilink na frente e atrás, acaba sendo eclipsado pela calibragem bem dura. O Camaro é desconfortável em pisos irregulares, o que é perfeitamente admissível num esportivo. Quer moleza, come pudim.

Estabilidade 6 – O Camaro é muito grande e pesado para se tornar um ícone de estabilidade. Claro que faz bem curvas, mas não inspira aquela confiança toda.

Segurança passiva 2 – Dois air bags só. Pouco num carro de R$ 180 mil. Menos ainda num carro que atinge 250 km/h. Este é um item no qual a tradição dos muscle cars não precisava falar tão alto.

Custo-benefício 10 – Quem se apega a coisas como custo-benefício não entendeu o espírito do muscle car e, portanto, não pode ter um Camaro. “Ah, mas com essa grana eu compro o carro XPTO, que vem com mais airbags, equipamentos, acabamento, espaço interno...”. Então vai lá e compre o XPTO. Quem curte muscle car de verdade nem ouviu a pergunta: está extasiado com o cheiro de borracha queimada e o blo-blo-blo de um vê-oitão em marcha lenta. E, por R$ 180 mil, o Camaro é o jeito mais barato de se conseguir essa sensação.

Comentários

Unknown disse…
Fantástico o teste ! Haja motor !
Anônimo disse…
Este carro é fabuloso. Nota 11 ao Design. Não há o que melhorar. Definitivamente o mais incrível.
Anônimo disse…
reportagem perfeita !!! parabéns!!! abraços
VH disse…
Acabei de possuir um camaro ss, o carro é realmente incrível!!!
Anônimo disse…
Parabéns pelo texto .
Sou apaixonado por muscle cars (especialmente o camaro).Achei suas ironias muito divertidas e concordo com sua opinião em relação ao Veracruz , também tenho vontade de vomitar quando vejo aquele carro.
Anônimo disse…
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